Na trama dos poderes locais portugueses, os paços do concelho, as cadeias e o pelourinho constituíam uma trilogia interactiva, simbólica do poder municipal no âmbito da justiça e da segurança pública, uma vez que às câmaras correspondiam atribuições inerentes à jurisdição de primeira instância. Esta característica estendeu-se, como é óbvio, às ilhas atlânticas e em quase todas as vilas ou cidades se podia encontrar a mesma trilogia que perdurou até finais do Antigo Regime, por via de uma sobreposição de poderes e de uma justiça penal que insistia na expiação pública por intermédio de pesadas penas corporais ou infamatórias.
Em Oitocentos, com a emergência e afirmação do Liberalismo, a justiça determinou a abolição das penas cruéis, visando o castigo não como punição mas como reabilitação, de modo a possibilitar ao criminoso o propósito de emenda e a consequente regeneração. Reprimir e prevenir o crime deixou de passar pelo terror ou barbaridade, importando sim a exemplaridade na aplicação das penas, a efectivação das mesmas e a prontidão da justiça. A tendência penal passou a contemplar o degredo, a prisão e os trabalhos públicos, acrescidos sucessivamente de penas pecuniárias, enquanto a pena de morte foi abolida pois em nada correspondia aos objectivos moralistas do novo sistema. Deste modo, o pelourinho tornou-se obsoleto e caiu em desuso, mas as cadeias tornaram-se alvo das preocupações das autoridades, quer no tocante às condições oferecidas, quer no tocante à finalidade a que se destinavam. A pena de prisão significava a privação da liberdade e, por isso, segundo o ideário liberal, era reputada como um dos piores castigos que se podia infligir ao ser humano. Dentro do mesmo espírito, era considerada uma pena igualitária, que ?aproximava? ricos e pobres e, por tudo isto, desde o vintismo, esta passou a ser a condenação eleita pelos juristas, não obstante o lastimável estado das cadeias civis que, em muitas cidades e vilas, continuavam anexas ou integradas nos edifícios concelhios. Se no passado a prisão não era mais do que uma antecâmara dos suplícios e da condenação à morte, desde o século XIX, tornou-se um modo de execução das penas, enfim, uma pena propriamente dita (Silva, 1997: 204-209).
Em consequência, foi no decurso de Oitocentos que se verificaram, em todo o território nacional, importantes remodelações nas cadeias civis, mandando os governantes, desde o primeiro ministério da ilha Terceira, proceder ao exame do estado das prisões. No caso dos Açores, muitas das cadeias são desanexadas das casas municipais, onde existiam desde longa data, na retaguarda de um pelourinho. No todo arquipelágico, há muito que as cadeias atestavam a inópia do sistema prisional, urgindo importantes reformas e actualizações face à própria degradação dos edifícios públicos, a que os magros orçamentos camarários obstavam remodelar. A precaridade e a falta de adequação das instalações foi sempre uma constante, mais agravada ainda se recuarmos até primórdios do povoamento. Em 1559, segundo as vereações camarárias velenses, da ilha de S. Jorge, com base em queixa do próprio carcereiro, a cadeia que ficava numa «casa de palha, velha, furada por todas as partes», não era apropriada à sua função e muito menos à de moradia para ele e sua mulher. Todavia, decidiram os juízes que o carcereiro era obrigado a residir nela sob pena de 2 mil reais, enquanto outra casa não arrendassem, como era de justiça (Pereira, 1984: 89). Em inícios do século XVII a cadeia das Velas já se encontraria instalada nos paços do concelho, mas só em meados da centúria conheceu alguns melhoramentos atinentes a uma maior segurança. No século XVIII, a falta de condições das cadeias públicas da ilha de Santa Maria motivou o almoxarife a solicitar aos oficiais municipais de Vila do Porto o uso «da casa de trás desta Câmara aonde se não faz Câmara» para poder encarcerar um antigo capitão, visto a cadeia estar «danificada e rota» e muito necessitada de concertos, incapaz de receber pessoa de elevada categoria social (A. A., XV: 302). A transferência das prisões para os paços do concelho deu-se, em muitas ilhas, por razões de segurança, atendendo à maior solidez da construção destes edifícios.
Ao longo de Setecentos sucederam-se, por parte das entidades camarárias, alertadas pelos procuradores dos concelhos e pelos carcereiros, frequentes pedidos de reparação e concertos, mediante a ruína da maior parte dos estabelecimentos. No caso da ilha de S. Miguel - que não difererá muito das outras ilhas - as correições efectuadas durante as primeiras décadas do século XIX, insistiam sempre na urgência de suprir a falta de segurança, a deficiência das instalações e a insalubridade. Contudo, a exiguidade do erário público não permitia atender a outros preceitos que não fossem os relacionados com a segurança. Provia-se o oleamento das grades para evitar a ferrugem ou a colocação de portadas de madeira, por fora dos gradeamentos, que eram encerradas à noite. Mesmo assim, aconteciam arrombamentos e fugas da prisão, sobretudo em épocas de sobrelotação. Em Ponta Delgada, o frequente internamento de presos no hospital agravava ainda mais o problema da segurança, pois nas cadeias não existiam acomodações condignas para qualquer tratamento. A falta de água, a inexistência de fossas agudizavam as desumanas condições de existência. As enxovias subterrâneas e sem arejamento, constituíam autênticos túmulos, cujo acesso se fazia por alçapões. Infectas, sem luz, com o chão de terra batida e paredes de pedra sem caiamento, acolhiam, em grande promiscuidade, amontoados de indivíduos, presos a ferros e entre os quais a indisciplina e a revolta grassavam com frequência, às vezes, com funestas consequências. Os corpos imundos, ociosos, cobertos de bichos, a falta de subsistências e de cuidados médicos e humanitários, agravavam , de forma execrável, o tormento que, por si só, representava a pena de prisão. Estas degradantes condições não eram apanágio das enxovias micaelenses, abrangendo todo o país, mas dada a localização central das cadeias de Ponta Delgada, o perigo de epidemias era uma constante, pois as prisões representavam um foco de infecções. O espectro da morte e da doença pairava sobre as cadeias e o papel assistencial das misericórdias, nesta matéria, foi de enorme relevância. Se os familiares concorriam para o sustento dos condenados, nos casos de maior pobreza, pertencia à Santa Casa, por intermédio do Mordomo dos Presos, prover à sua alimentação e auxiliar na defesa e demais trâmites processuais (Silva, 1997: 218-219).
Desde 1834, em conformidade com o Manual do Ministério Público, a reforma das cadeias era uma constante visada pelos preceitos do sistema representativo, pelos valores religiosos e morais e, ainda, pelos sucessivos progressos da ciência e do direito penal, mas os esforços intentados revelaram-se insuficientes. A nível nacional, muitas prisões subterrâneas foram encerradas, os presos passaram a estar distribuídos de acordo com a idade, o sexo, a condição social e a natureza do crime perpetrado, mas o pesado contexto histórico do Portugal oitocentista retardou o surgimento das verdadeiras penitenciárias para os finais do século, quando a situação das prisões comuns ainda não revelava melhoras significativas. No caso dos Açores, não obstante o paralelismo com o todo nacional, agravado pela insularidade, as medidas oitocentistas revelaram-se decisivas para a melhoria das estruturas prisionais, degradadas pelos séculos e pelas dificuldades, mas beneficiadas doravante pelo aproveitamento de velhos conventos ou edifícios de cariz militar (Silva, 1997: 212- 216).
Desde que Angra, na ilha Terceira, foi elevada a vila e depois a cidade, em 1534, existiu sempre na sua praça principal a Casa do Senado, em cujos baixos se situavam as primitivas cadeias. A demolição desta antiga casa e o consequente desaparecimento das prisões que transitaram para outro local, viria a ocorrer apenas no século XIX, principiando a 13 de Junho de 1848 depois da Câmara ter votado, em sessão de 20 de Março de 1847, a construção de um novo edifício municipal, com base em planta proveniente do reino, cuja primeira pedra foi lançada aos 11 de Agosto de 1849 (Costa Jr., 1867: 131-132).
Já nos finais de Quinhentos, o holandês Linschoten, assinalara no mapa que fez da cidade, a cadeia junto à casa da Câmara e de fronte de ambas, o pelourinho. Este edifício concelhio seria remodelado a partir de 20 de Abril de 1610, quando se congregaram, para esse fim e em sessão extraordinária, as principais autoridades da cidade com o então corregedor Roque da Silveira que os convidara a promoverem este melhoramento. Entre 1610 e 1611 foi ampliada a Praça e, pela quantia de cerca de 10 mil cruzados, reergueram-se os Paços do Concelho e o Tribunal de Justiça, com as respectivas cadeias e enxovias por baixo, tudo encimado por uma torre de cantaria com sinos (Costa Jr., 1867: 17).
Após mais de 200 anos, e dada a antiguidade das cadeias muito insalubres e hediondas, tornou-se conveniente e necessário, em conformidade com os princípios de humanidade e civilização, que as mesmas fossem removidas. Em consequência, em 1845, a Câmara (presidida pelo então visconde de Bruges), deliberou que fosse pedido ao governo o edifício do extinto convento das Capuchas, da Ordem de Santa Clara, para o estabelecimento da nova cadeia, uma vez que o mesmo fora extinto pelo decreto de 17 de Maio de 1832. O Governador Civil de Angra, em Fevereiro do mesmo ano, enviou aquela representação ao Ministério do Reino e por decreto de 10 de Dezembro foi doada à Câmara a referida construção, dentro do propósito dos governos liberais de reconversão dos antigos conventos em edifícios de utilidade pública. As obras começaram a 27 de Abril de 1846, despendendo-se a quantia de 5:894$591 reis no novo edifício reconstruído desde os alicerces. Aos 20 de Junho de 1847, a nova cadeia pública da cidade, sita ao canto da Rua da Guarita e formando esquina com a rua do Cruzeiro, foi posta à disposição do Juiz da Comarca, cuja vara exercia José Afonso Botelho. No dia seguinte, para ali foram transferidos, sob escolta militar, os 21 presos que existiam nas antigas cadeias. As prisões e enxovias eram espaçosas, seguras e bem ventiladas, com separação para ambos os sexos. Erguiam-se, paralelas à rua, no mesmo lugar que servia a igreja e coro do convento. Havia um cárcere disciplinar, quarto de interrogatórios e uma capela onde os presos assistiam à missa nos domingos e dias santificados, com capelão subsidiado pela Misericórdia (Costa Jr., 1867: 17-18). O antigo claustro passou a largo para passeio dos presos, havendo ainda a casa do carcereiro e a da guarda militar, servindo esta última de abrigo aos guardas destacados da guarnição do castelo de S. João Baptista. Outra descrição mais recente desta prisão, atesta algumas modificações. Refere os seus dois pavimentos, havendo no superior uma sala designada por enfermaria onde eram recolhidos os presos doentes, seguida de outra que correspondia ao lucotório. Uma grande sala servia de dormitório para todos os presos, havendo por último a destinada ao sexo feminino, com entrada separada. No pavimento inferior existia a ?casa do segredo? para os presos incomunicáveis, a vasta sala chamada ?do trabalho?, a capela e a casa da guarda. Ao lado ficava a habitação do carcereiro e, entre esta e o corpo principal do edifício, situavam-se os quartos de detenção (Sampaio, 1904: 291-292).
No que concerne à então vila da Horta, segundo Marcelino Lima, ignora-se ao certo onde foi a primitiva cadeia. As mais remotas e directas indicações encontram-se numa correição ditada pelo corregedor Fernão Gomes Massam, em 1632, onde este afirmava que «achou que a cadeia era incapaz, por seu acanhamento, visto estarem os homens e as mulheres juntos, e não ter o carcereiro onde residir» (Lima, 1940: 126). Por tudo isto ordenou que se intimasse o procurador do donatário da ilha do Faial para que mandasse erguer uma cadeia de dois andares, com as comodidades necessárias. Foi então construído novo edifício de modo a albergar não só a prisão, no seu corpo central, mas também a Câmara, na parte dianteira e a Casa dos Expostos, mais acima. Esta nova construção seiscentista erguia-se na praça, à esquerda, na esquina da Rua Advogado Graça, constando, no entanto, por tradição, que a primitiva Câmara ter-se-á situado para o lado do mar, na Rua do Bom Jesus, zona onde se fixou o primeiro núcleo populacional da primitiva Vila Velha. Estando, por norma, os calabouços associados aos Paços do Concelho, não é de descurar a hipótese de ali ter funcionado também a primeira cadeia da Horta, num tosco edifício de um só pavimento, com uma espécie de balcão à frente, com três degraus de acesso, cujas últimas paredes foram derrubadas pelo terramoto de 28 de Agosto de 1926 (Lima, 1940: 121-122).
No século XIX, os Paços Concelhios erguidos dois séculos antes, começaram a ameaçar ruína e, por isso, em 1829, a vereação resolveu abandonar aquelas instalações, permanecendo em funcionamento apenas as cadeias. A 19 de Fevereiro de 1840 o secretário do administrador-geral compareceu em sessão camarária, informando que aquela autoridade projectava instalar a cadeia no pavimento térreo, do lado sul, do edifício do Colégio, verificando-se, porém, que o local, por ser húmido e insalubre, era pouco apropriado. Por conseguinte, ficou acordado aguardar por nova construção, ficando o orçamento da cadeia a cargo do administrador-geral, enquanto aos vereadores cabia o orçamento das instalações municipais. Contudo, a viabilização do projecto revelou-se impossível, reclamando, anos depois, o governador civil imediatas reparações para as prisões cada vez mais degradadas e às quais a própria edilidade não podia acorrer, devido à falta de verba sempre esgotada nos concertos das calçadas, na sustentação dos expostos, entre outras despesas. Em 1858, surgiram outros planos para a construção dos novos Paços do Concelho e das prisões nos terrenos do Mosteiro de S. João, mas uma vez mais a demora da resolução obrigou, em definitivo, ao encerramento das velhas cadeias de todo inutilizadas, sendo transferidos os presos, como já algumas vezes acontecera, para o denominado Castelo Novo ou Castelo de Bom Jesus. Esta acabou por ser a solução, passando de medida provisória a definitiva quando a Câmara, a 20 de Dezembro de 1876, pediu a concessão definitiva daquele forte para cadeia civil (Lima, 1940: 127).
No Pico, em particular na vila das Lages - a primeira povoação da ilha a ascender a esta categoria logo em inícios do século XVI - existia também, nos baixos dos seu Paço Municipal, a cadeia pública. Porém, no século XIX, desses mesmos Paços apenas restava uma sala onde funcionava a aula de instrução primária do sexo masculino, estando a prisão já demolida. Assim, todas as repartições públicas, incluindo a própria cadeia, ficaram estabelecidas no convento de S. Francisco, que se erguia um pouco distante da vila e que, para esse fim, foi restaurado pela repartição das obras públicas (Macedo, 1871: 82). A vila da Madalena, a terceira da ilha, esteve muito tempo sujeita ao concelho da Horta e depois ao de S. Roque, mas em 1723, por alvará de 8 de Março, foi elevada à categoria de vila, devendo, em grande parte, aos faialenses, por intermédio de um acordo celebrado entre a câmara local e a da Horta, por onde esta se obrigou a comparticipar metade das despesas necessárias, a construção da Casa Municipal e respectivas cadeias. Nos finais de oitocentos, o Paço onde estavam estabelecidas todas as repartições públicas, era já um edifício acanhado, exigindo uma ampliação e remoção das respectivas prisões (Macedo, 1871: 100-101).
Na ilha de S. Jorge e, por intervenção de diferentes corregedores, só por meados do século XVII se desbloqueou verba para reparos nas cadeias, sem que, contudo, assinalassem grande melhoria, a não ser a colocação de argolas e grilhões para maior segurança dos detidos (Pereira, 1987: 113). As três cadeias jorgenses, situadas nos Paços das respectivas sedes de concelho (Velas, Topo e Calheta) apresentavam inúmeras deficiências, mas porque as despesas com os edifícios públicos atingiam, nalguns anos, verbas incomportáveis, não só a conservação era difícil, como era complicado prover a qualquer restauro ou obra. O Paço das Velas, provavelmente erguido em inícios de quinhentos, ameaçava ruir por meados da centúria e no século XVII, de acordo com o corregedor de 1668, nem a sala de reuniões e audiências estava em conformidade com a solenidade dos actos aí celebrados. Podemos, pois, deduzir o ignóbil estado das cadeias velenses, não deixando de ser curioso o facto de, pela mesma data, os oficiais da Câmara do Topo, realizarem as reuniões nas instalações da cadeia, uma vez que chovia no interior da sala principal. De qualquer forma, a reparação dos cárceres municipais, pouco seguros e propícios a fugas, foi prioridade para múltiplas correições (Pereira, 1987: 112).
Na vila de Santa Cruz da Graciosa, elevada a esta categoria por foral de 1500 e feita sede da comarca criada em 1841, erguia-se, no século XIX, fronteiro ao Largo do Rocio, o edifício público onde funcionava a administração do concelho, a câmara municipal e o tribunal judicial, achando-se na extremidade a cadeia pública. A pequenez e acanhamento do imóvel já não comportava todas estas repartições, urgindo pronta edificação de outro, essencialmente para desanexar a parte do tribunal e respectivas prisões. Um pouco mais adiante situava-se a Praça do Pelourinho cujo nome era ainda bastante significativo (Moniz, 1883: 170-171).
Quanto à ilha de S. Miguel, e a Ponta Delgada, em particular, o século XVI representou uma época de intensa construção e crescimento, após D. Manuel a ter elevado à categoria de vila em 1499 e D. João III lhe ter concedido alvará de cidade em 1546. Nos finais da centúria já sobressaíam os seus principais edifícios religiosos e públicos, entre os quais se destacavam os Paços do Concelho, com cadeia anexa e respectivo pelourinho que se erguiam de fronte da porta principal da Igreja Matriz (O. Rodrigues, 1946: 343-347). Na primeira metade do século XVII, encontram-se referências a uma Câmara Velha o que pressupõe a existência de uma Câmara Nova, ao que parece já erecta. Ambos os edifícios se situavam na praça principal da urbe, nas imediações da Matriz, do porto e da alfândega. A Câmara Nova, erguida, de certo, para solucionar dificuldades relacionadas com a exiguidade e degradação da anterior, coincidia já com a actual, situada no limite ocidental da hoje designada Praça da República. Este edifício, com escadaria e torre sineira, sofreria obras de reconstrução no decurso do século XVIII. A Câmara Velha situar-se-ia no quarteirão mesmo em frente à porta principal da Matriz, entre a mencionada ~praça e a actual Rua do Melo. Esta seria a primitiva rua da Cadeia, pois era com ela que confinava a cadeia dos presos, situada no rés-do-chão do antigo edifício camarário, mesmo por baixo da sala de audiências. Em algumas correições seiscentistas descobrem-se referências aos odores imundos provenientes das cadeias e que empestavam a referida sala, impossibilitando mesmo o normal decurso das audiências na casa do concelho, em especial, durante o Verão (R. Rodrigues, 1946: 385-387). Com a entrada em funcionamento das novas instalações, a prisão da Câmara Nova coincidia também com os baixos do edifício, pelo lado sul, confrontando com a então denominada Rua da Carreira que ia dar ao Corpo Santo, conhecida desde o século XVIII como Rua de Santa Luzia ou vulgo rua da Cadeia. Aí ficavam, portanto, as prisões dos homens e das mulheres que, segundo parece, eram de construção um pouco posterior à do edifício concelhio (R. Rodrigues, 1946: 387-388).
Nestas instalações se mantiveram as cadeias de Ponta Delgada durante a primeira metade do século XIX, sofrendo ampliações sucessivas, com a construção de casas anexas à Câmara, cujos quartos terão servido, em parte, como enfermarias. Nestas casas eram conservados os presos em custódia ou os detidos por crimes menos graves, contornando-se assim a falta de capacidade das antigas cadeias e evitando-se o encarceramento junto dos facínoras e energúmenos mais perigosos, presos nas enxovias subterrâneas, onde o quotidiano representava um verdadeiro tormento. Deste modo também se agia em conformidade com a regulamentação de polícia de 1839 que mandava distribuir os presos de acordo com o sexo, a idade, a situação económica e a natureza do crime cometido.
A 16 de Abril de 1852, um violento tremor de terra deixou em deplorável estado de ruína o edifício camarário, obrigando à transferência imediata dos presos para o Castelo de S. Brás e para as cadeias de Vila Franca do Campo, retendo-se as criminosas e as meretrizes em casa arrendada para este fim. Todavia, se esta ocorrência agudizou a necessidade de remoção das prisões dos Paços do Concelho, o certo é que, havia muito, insistiam as autoridades locais na urgência de se adaptar ou construir um novo edifício prisional. Em 1836, o governador civil manifestava preocupação ao seu homólogo militar pelo facto de, uma vez estabelecido o Tribunal da Relação dos Açores, com sede em Ponta Delgada, as cadeias demandarem prontas providências, pois não só não tinham capacidade para albergar os presos que afluíam em número considerável, como não estavam em conformidade com o sistema vigente, tendo sido posta como hipótese a cedência do extinto convento de S. João, à época utilizado como quartel militar, por ser lugar seguro e bem localizado.
Porém, considerando o facto de que as despesas com as prisões estavam a cargo da Fazenda Pública e de que, nesse mesmo ano, o Ministério dos Negócios do Reino autorizara proceder-se a orçamento para reparos nas prisões, o mesmo Governador Civil determinou que se examinasse e orçamentasse as obras necessárias à conversão, em cadeias, de uns armazéns e casas de abóbada, pertencentes ao Estado e sitas à Mãe de Deus, porque ofereciam excelentes condições, quer pela sua localização, quer pela solidez do edifício. O projecto era bastante inovador, de cariz penitenciário e atendia às devidas condições de higiene, arejamento, segurança e acomodação dos presos, cujos aposentos compreendiam uma tarimba colocada sobre calçada, pendendo na parede prateleiras e cabides e ficando o restante espaço livre. Previa-se um oratório na abóbada norte onde, ao domingo, seria celebrada missa, estimando-se uma lotação máxima de 60 presos, embora a média ordinária fosse de 40, em circunstâncias normais. Contudo, a falta de verba disponível levariam a Coroa e depois a Administração-Geral a inviabilizar este projecto, limitando as despesas a concertos provisórios nas cadeias já existentes. Não obstante os entraves, é à década de 1830 que remontam, pois, os primeiros projectos de construção de uma nova prisão na cidade de Ponta Delgada, em conformidade com os novos princípios de correcção baseados no sistema de prisão celular penitenciária.
A morosidade na construção deste novo tipo de prisões relegou a sua concretização, no país, para finais da centúria, mas aos 10 de Julho de 1856 foi lançada a primeira pedra da cadeia penitenciária do distrito de Ponta Delgada, no sítio da Boa Nova, junto ao litoral, como cadeia da Relação, com o objectivo de recolher os presos de todas as comarcas da ilha e das demais do arquipélago. Aos 28 de Junho de 1854, o Governador Civil Félix Borges Medeiros tomara posse dos respectivos terrenos, cuja expropriação acabou por ser fixada em 1.927$000 reis. Reunidas as principais autoridades civis, eclesiásticas e militares, pelas 5 horas da tarde, procedeu-se à colocação da pedra inaugural e de uma caixa com moedas de prata do reinado de D. Pedro V, contendo ainda uma chapa com inscrições alusivas. Preocupação maior para as autoridades eram as questões financeiras, pois 10.000$000 reis fracos revelavam-se insuficientes para concluir a ambiciosa construção, por todos reclamada. Previa-se o desvio de fundos de outras obras públicas a fim de que, no prazo de um ano, já se pudesse proceder à transferência dos primeiros presos. Em 1860 o edifício, de consideráveis dimensões, previsto para uma lotação de 120 condenados, ainda estava por concluir, mas já existiam presos acomodados em precárias condições, na parte construída. Impedimentos orçamentais dificultavam a realização da obra que, como adiantou o Governador Civil, representaria um ?ensaio? do sistema penitenciário no país, dada a falta de acomodações prisionais em Ponta Delgada, resultante do terramoto de 1852 que obrigou a uma solução condigna para o problema. Em 1869 a penitenciária ainda estava em construção, devendo ter ficado concluída por finais da centúria, porém, sem as características de um autêntica penitenciária. Em 1866, reconhecia o próprio Procurador Régio que este edifício estava longe de reunir as condições de uma cadeia regular, quanto mais as de um estabelecimento penitenciário (Paiva, 1866: 28).
Só por meados do século XX foram encerradas as cadeias de comarca micaelenses, como a que existia em Vila Franca do Campo ou na actual cidade da Ribeira Grande. Elevada à categoria de vila por foral de D. Manuel, de 4 de Agosto de 1507, a requerimento dos ribeiragrandenses, desde logo foi-lhe reconhecida uma área jurisdicional de uma légua em redor do pelourinho que se encontrava instalado em frente dos Paços do Concelho. Mas, a violenta erupção vulcânica de 1563 dizimou a localidade pelo que só ao longo do século XVII a vila se tornou a reerguer das cinzas, não sendo pois o seu edifício camarário o original. Os novos Paços, cuja fachada principal ainda persiste, ergueram-se sóbrios, com uma larga escada exterior, ficando o rés-do-chão e o primeiro andar reservados para celas de presos. Por vereação de 17 de Fevereiro de 1796 ficou determinada a remodelação do imóvel, face à necessidade de o carcereiro morar na cadeia para melhor vigiar, soltar ou prender os condenados; perante a urgência de dotar as cadeias de um oratório onde se celebrasse missa e, por fim, ante a necessidade de se aumentar o número de prisões porque as que existiam «não só [eram] incapazes, mas ainda poucas, atendendo à grandeza e popularidade desta vila e seu termo, onde algumas vezes sucede abundarem os réus e faltarem os cárceres». Então, sobre os arcos que encimaram a Rua das Espigas, edificaram-se os quartos para habitação do carcereiro, reservando-se o lugar mais cómodo para o oratório e na torre, onde se previam sinos e relógio, é provável que se tenham feito mais algumas prisões. As cadeias no piso térreo, por baixo da entrada do edifício, só foram encerradas a partir de 1960, sendo as grades retiradas e os presos transferidos para Ponta Delgada (Silva, 2000: 25-28).
Quanto a Santa Maria, as cadeias desde sempre se localizaram na única vila da ilha, englobadas por fim, em Oitocentos, no convento dos extintos religiosos franciscanos onde também funcionava a administração do concelho, a Câmara Municipal, a escola de instrução primária e a roda dos expostos (Arquivo dos Açores, XV: 239).
Por fim, no que respeita às ilhas das Flores e do Corvo, estas formavam, no século XIX, uma comarca judicial criada por Decreto de 21 de Maio de 1841, com sede na vila de Santa Cruz onde se fixava o Delegado do Procurador Régio, a Câmara Municipal, a Administração do Concelho, o Ouvidor Eclesiástico e uma delegação da Alfândega da Horta. Era precisamente no edifício municipal que ficavam estabelecidos o Paço, o Tribunal de 1ª instância e a cadeia que, embora edificada em 1805, sendo juiz de fora João Carlos Leitão, já na segunda metade da centúria necessitava ser ampliada, tal como a Casa da Roda e a da Alfândega. Na vila do Corvo a cadeia existente, também no edifício concelhio, de pouco ou nada servia ?pela boa índole daqueles povos?, em comunidade sumamente restrita, não existindo sequer casa da roda para expostos (Macedo, 1871: 123-125 e 139). Susana Serpa Silva (Fev.2001)
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