Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

exército libertador

A acção desencadeada pelo Batalhão de *Caçadores 5, em 22 de Junho de 1828, tornou-o o embrião do futuro Exército Libertador ? a força militar que, em Julho de 1832 desembarcou nas praias do Mindelo para combater os realistas, defensores de D. Miguel. Composto essencialmente por tropas vindas do Continente e, ao tempo, dispersas pelas ilhas Terceira, S. Miguel e Faial, Caçadores 5 veio a reagrupar-se e a aumentar os seus efectivos com reforços vindos de fora ou provenientes de recrutamentos no arquipélago.

A formação da Junta Provisória de Governo em Angra, veio permitir, com a belfastada e o êxodo das tropas revoltosas para a Galiza, e com o bloqueio da Madeira e sua posterior ocupação pelos realistas, o controlo liberal sobre a única parcela do território nacional onde era possível fazer afluir as forças militares de suporte ao regime. Os primeiros reforços de emigrados chegaram à Terceira em Setembro de 1828, na fragata brasileira Izabel, vindo entre eles o brigadeiro Deocleciano Leão Cabreira que tomou a presidência do governo e do comando geral das Armas. Mas a primeira tentativa de enviar para a Terceira forças mais significativas, face à premência de dar destino aos militares saídos do dissolvido depósito de Plymouth, falhou quando, em Janeiro de 1829, ao general Saldanha, com uma força de 600 praças e muitos oficiais, foi barrado o desembarque na vila da Praia, pelo fogo da fragata britânica Ranger, sob o comando do capitão Walpolle, forçando os exilados a retirar para França. Logo, porém, chegou à Praia parte do Batalhão de Voluntários da Rainha, entre eles os académicos que formaram a 1.ª companhia do batalhão, que foi aquartelado no convento da Graça, na mesma vila; e em princípios de Março seguinte, desembarcaram em Angra 607 praças de diferentes corpos, a breve trecho enquadradas pelo Batalhão Provisório, para o efeito criado, que foram alojadas nos conventos de S. Francisco e de Santo António dos Capuchos, na cidade. Malgrado o bloqueio britânico e realista, no fim do Março já haviam entrado na ilha cerca de 1.000 homens de armas, munições para 50 bocas-de-fogo, 4.000 espingardas e grande número de espadas. Apesar da desconfiança que a população da Terceira suscitava, procedeu-se a um rigoroso recrutamento, com que se levantaram duas companhias de caçadores e se completou o Batalhão de Artilharia de Angra ou do Castelo de S. João Baptista. Tantos eram os oficiais que haviam afluído, que se criou um batalhão para nele servirem como soldados.

Em 22 de Junho de 1829, iludindo o bloqueio realista, desembarcou no porto da Praia o conde de Vila Flor, António José de Sousa Manoel Severim de Noronha, acompanhado de um reforço de emigrados vindos dos Países Baixos e França. Governador e capitão-geral dos Açores, competia-lhe disciplinar, organizar e preparar as tropas, e continuar o recrutamento local não só para uma futura expedição ao território continental, mas e no imediato para defender a ilha Terceira de um previsível assalto pelo exército nacional miguelista. Juntou, ainda, ao Batalhão de Artilharia do Castelo, que iria integrar a expedição, duas companhias de sapadores. Aquando da Batalha da Praia, a guarnição da ilha Terceira constava de cerca de 2.400 homens.

Logo no dia imediato ao 11 de Agosto, chegaram à Terceira dois navios com socorros de tropa. Igualmente os prisioneiros realistas ? 386 homens ? foram incorporados no Batalhão n.º 2 ou no corpo de sapadores. E o aumento do contingente continuou logo em 1830, com a vinda de mais exilados e mercenários, fixado que fora o desígnio de na Terceira concentrar as forças liberais.

As primeiras acções a fazerem jus à denominação Exército Libertador, ocorreram com as expedições às principais ilhas açorianas ainda fiéis ao governo de Lisboa. A 17 de Abril de 1831, zarpou do porto de Angra com destino à cidade da Horta defendida por cerca de 500 homens de linha e 1.000 das milícias, o brigue Liberal, acompanhado de algumas embarcações do comércio da laranja para o efeito fretadas, levando a bordo 600 homens de desembarque, sob o comando-chefe do conde Vila Flor. Esta pequena armada, assolada pelo mau tempo, arribou primeiro à ilha do Pico, aí entrando as tropas sem resistência, por Santa Cruz das Ribeiras. Com vento oposto para o Faial, a expedição rumou à ilha de S. Jorge onde, procedendo ao desembarque de forças em diversos pontos da costa, infringiu pesada derrota às tropas realistas. Só a 23 de Junho Vila Flor desembarcou no Faial, na Praia do Almoxarife, após a fuga da maior parte da guarnição militar defensora, numa escuna inglesa. A 10 de Agosto, regressou à Terceira, trazendo cerca de 400 soldados prisioneiros de guerra, pertencentes às tropas de linha, que foram integrados no exército liberal. Faltava reduzir S. Miguel à obediência de D. Maria II e foi, uma vez mais, o conde de Vila Flor a comandar a expedição a esta ilha, composta por um corpo de Cadetes, pelos Voluntários Académicos, pelo Batalhão de Caçadores N.º 5, por um corpo de Sapadores, e por um batalhão do RI 18 e outro do Regimento Provisório de Infantaria. Desembarcados os soldados liberais no porto da Achadinha e o material no Porto Formoso, apesar da sua enorme desproporção numérica frente a um poderoso contingente de tropas de linha e numerosa milícia, relativamente bem equipados e municiados, que compunham a guarnição da ilha, as forças libertadoras conseguiram decisiva vitória na batalha da Ladeira da Velha, graças a hábil manobra táctica. Não só a mais populosa e rica ilha açoriana entrou na órbita dos liberais, como trouxe significativo reforço em armamento e munições. E já por S. Miguel ficaram o Regimento de Infantaria N.º 18 e o Batalhão de Caçadores N.º 5, ilha a que convergiriam todas as forças expedicionárias.

Consolidada a base territorial para o lançamento de uma expedição credível contra o Continente absolutista, foi promovido um recrutamento de 2.858 soldados em todo o arquipélago, excepto na já exangue Terceira, e foram feitas diligências para que D. Pedro assumisse pessoalmente e nos Açores o comando das operações.

Em 29 de Maio de 1832, estava pronto para embarcar um contingente de 7.786 combatentes, incluídos os estados-maiores das divisões de Infantaria, distribuído pelos seguintes corpos:

Artilharia: 312; condutores: 63; académicos: 122; cavalaria: 49; batalhão de oficiais: 245; Divisão Ligeira de Infantaria, composta pelo corpo de guias e pelos batalhões de Caçadores n.os 2, 3 e 5: 1.857; 1.ª Divisão de Infantaria, com o Batalhão de Caçadores 12 e o Regimento Provisório: 2.156; 2.ª Divisão de Infantaria, formada pelos batalhões de Atiradores e de Voluntários e pelo Regimento n.º 18: 2.982.

Eram os corpos comandados por: Divisão Ligeira ? tenente-coronel João de Schwalbach; 1.ª Divisão ? coronel António Pereira de Brito; 2.ª Divisão ? coronel Henrique Fonseca da Silva; Artilharia ? brigadeiro-beneral Cabreira; Cavalaria ? conde de Alva; Engenheiros ? major Serra.

A força armada embarcada três semanas depois, com algumas alterações na estrutura e distribuição do contingente pelos diversos corpos, pouco diferia globalmente deste quantitativo, havendo, seguramente, a acrescentar 448 franceses e 363 ingleses. Segundo o Almanaque do Exército de 1855, desembarcaram no Mindelo 8.219 combatentes, sendo 541 oficiais e os restantes, praças.

De particular importância para os Açores é saber-se quanto deste efectivo foi composto por açorianos. Não sendo unânimes as informações recolhidas sobre esta vertente, terão, no entanto, integrado o exército libertador mais de 6.000 ilhéus, principalmente a servir na infantaria e na artilharia.

A artilharia do Exército Libertador teve origem no Batalhão de Artilharia do Castelo de S. João Baptista, cujo efectivo veio a ser aumentado essencialmente com praças do recrutamento local, nomeadamente com artilheiros de outros fortes das ilhas.

Na Infantaria, temos, primeiramente, a Divisão Ligeira que embarcou 1.754 combatentes, formada pelos Batalhões de Caçadores N.os 2, 3 e 5. O Batalhão de Caçadores N.º 5 tinha, em Janeiro de 1829, um efectivo de cerca de 430 homens, nestes incluindo-se presumivelmente tropa de linha de infantaria que, anteriormente a 1823 (cf. *Regimento de Guarnição de Angra do Heroísmo), havia pertencido à guarnição do Castelo de S. João Baptista. Ora, em 29 de Maio de 1832, já tinha prontos a embarcar 674 combatentes. Fácil é concluir pela elevadíssima componente ilhoa. O Batalhão de Caçadores N.º 3 (os corpos orgânicos constituídos nos Açores herdaram o nome dos seus homónimos apoiantes da Junta Revolucionária do Porto e destroçados em 1828, reincorporando, eventualmente, alguns efectivos dessas unidades fugidos para a Galiza, e, entretanto, chegados aos Açores e incorporados no Regimento Provisório), foi essencialmente formado pela tropa do Batalhão de Infantaria de linha que guarnecia S. Miguel anteriormente ao desembarque das forças liberais. Terá recebido um último reforço de 237 soldados recém-formados nas vésperas do embarque, para completar um efectivo de cerca de 550 homens. De igual modo, de efectivos essencialmente açorianos foi o Batalhão de Caçadores 2, formado na Terceira a partir do Batalhão de Caçadores Provisório. Integrou parte da tropa que se rendeu no Faial e, dum último recrutamento regional, recebeu aproximadamente 180 soldados, para completar o contingente expedicionário, também de cerca de 550 militares.

As duas divisões de Infantaria, que embarcaram, a 1.ª, 2.767 combatentes, a 2.ª, 2.684, eram formadas, respectivamente, pelo Batalhão de Caçadores N.º 12, pelo Regimento Provisório e pelo Batalhão de Atiradores Portugueses, e pelo Batalhão de Voluntários, pelo Regimento de Infantaria N.º 18 e pelo Batalhão Inglês. Ora, o Batalhão de Caçadores N.º 12, enviado na expedição à Horta onde permaneceu até à concentração em S. Miguel, foi formado na Terceira, e pouco antes da partida para o Porto ainda recebeu um reforço de 316 recrutas, para perfazer um corpo de 660 combatentes. O Regimento Provisório, formado por três batalhões, embriões dos reestruturados Regimentos N.os 3, 6 e 10 (Outubro de 1831), teve como primeiro contingente os emigrados vindos de Plymouth e doutras partes da Europa (Batalhão Provisório). Com um efectivo de 1.071 combatentes em 31 de Agosto de 1831, destes 272 eram açorianos (269 da Terceira). Logo, num contingente embarcado de 1.596 homens, mais de metade era, garantidamente, açoriano, entre eles cerca de 500 praças acabadas de sair da instrução básica. O Batalhão de Voluntários, também com suporte nos emigrados e tornado unidade operativa do Exército em Junho de 1829, tinha, ao tempo da sua chegada, pouco mais de quatro centenas de homens. Embarcou uma força de 591 combatentes; também aqui uma boa componente de voluntários ilhéus. O Regimento de Infantaria N.º 18 só surgiu como unidade organizada do Exército Libertador, em finais de 1829. Pela data da sua constituição, foi uma unidade essencialmente açoriana, sem prejuízo de ter recebido praças do destroçado RI 18, que para tal, terão sido substituídas nas outras unidades primeiro reorganizadas. Para completar o contingente embarcado de 1.846 combatentes, ainda recebeu do último recrutamento regional cerca de 950 praças.

Fruto de constantes restruturações e reajustamentos durante o período de formação, e desconhecendo-se o registo das incorporações, torna-se difícil distinguir, com precisão, a origem dos soldados dos seus diferentes corpos. Mas é certo que as praças do Exército Libertador eram essencialmente açorianas, na boa tradição das levas de recrutados dos séculos anteriores. Quadros, poucos o seriam. Já falho de oficiais fora Caçadores N.º 5, quando os seus efectivos eram essencialmente recrutados no Arquipélago. Muito menos haveria regionalmente comandos profissionais para enquadrar os outros corpos depois constituídos.

Sem pretender contrariar a carga heróica e patriótica que inspirou a adjectivação deste corpo expedicionário, devem, no entanto, ser referidos, a passo largo, alguns factos que bem poderiam, noutra perspectiva, impor a troca do epíteto libertador por opressor. A acção de 22 de Junho de 1828 desencadeada pelo Batalhão de Caçadores N.º 5, contrariou os sentimentos da maioria da população da Terceira, sentimentos ainda manifestados ao próprio duque de Bragança quando, anonimamente, contactava com a gente da terra. Valeu aos revoltosos o seu profissionalismo para contrariar as milícias e ordenanças locais, cujo episódio maior na ilha foi a derrota realista no Pico Celeiro. Mas muitos outros se seguiram com actos de guerrilha, geralmente abafados em execuções sumárias, estropiamentos e outros castigos corporais dos mais vis e cruéis, nada condicentes com os ideais humanistas que se queria levar ao território continental, nem com a «protecção aos inermes, generosidade aos vencidos» que D. Pedro recomendaria aos bravos do Mindelo. Deve, porém, registar-se a onda de simpatia liberal que, segundo Macedo (1981), animava a generalidade dos habitantes da Horta.

O jugo que se abateu sobre a Terceira, se primeiro imposto por Caçadores N.º 5, continuou com a vinda dos emigrados, ultrapassando a mera perseguição aos opositores ao liberalismo, ou os recrutamentos forçados para a formação do corpo expedicionário. Gente vinda do Reino para um território de facto ainda a gravitar na mesma órbita das possessões ultramarinas, não se eximiu da prática de extorsões, furtos, violações, ou das mais inadmissíveis exigências em aboletamentos. Nem as religiosas da Luz, na vila da Praia, escaparam à invasão do seu dormitório, pela calada da noite, de Voluntários da Rainha que, para o efeito, fizeram um rombo na cerca do convento. Ficaram para a História as divergências levantadas no seio da Junta Provisória pelo coronel José António da Silva Torres que defendia e dava cobertura aos rigorosos castigos aplicados às pessoas do povo suspeitas ou acusadas de se relacionarem com os rebeldes miguelistas. Foram bastas, aliás, as providências normativas sancionatórias publicitadas ou criadas pelos comandos liberais para debelar toda a resistência, ou suspeita dela, na ilha Terceira. Para a História ficou, também, a crueldade com que os soldados de Caçadores N.º 5, em S. Jorge e dominada a ilha, feriram, mataram e saquearam com a maior liberdade, perdendo a vida nessa orgia sanguinária, entre muitos outros, o provincial dos Franciscanos, fr. João da Purificação.

Embarcado o Exército Libertador, nele partiu a quase totalidade das forças militares existentes nos Açores. Segundo balanço datado de 18 de Setembro de 1832, por cá ficou pouco mais que o Batalhão de Leais Fuzileiros com 200 combatentes e um destacamento de artilharia ligeiramente superior à centena de artilheiros para guarnecerem o Castelo de S. João Baptista. Aos fortes de S. Brás, em Ponta Delgada, e de Santa Cruz, na Horta, foram atribuídos cerca de 20 artilheiros a cada um, pertencentes ao destacamento de Artilharia do Castelo de S. João Baptista. Em Santa Maria permaneceu um corpo de 24 praças de Infantaria 18, sob o comando de um oficial subalterno. O governo do conjunto destes efectivos, embrião do actual *Comando da Zona Militar dos Açores, era, então, exercido pelo brigadeiro Governador Interino das Armas dos Açores, Pedro de Sousa Canavarro. Manuel Faria

Bibl. Almanaque do Exército ? Referido ao 1.º período de Julho de 1855, Lisboa, Imprensa Nacional. Arquivo Histórico Militar (Lisboa), Collecção das Ordens do Dia publicadas nas Ilhas dos Açores, e no Porto, desde 23 de Junho de 1829, até 6 de Novembro de 1832, em que S.M.I. o Duque de Bragança assumio o Commando em Chefe da Exército Libertador, AHM/DIV/3/3/4C/27. Id., Mapas relativos ao Exército Libertador que desembarcou no Mindelo, AHM/DIV/1/19/71/13. Botelho, J. J. T. (1948), Novos Subsídios para a História da Artilharia Portuguesa. Lisboa, Comissão de História Militar, II. Daehnhardt, R. (2000), Açoriano Oriental, 12 de Junho. Dória, A. A. (1979), Belfastada In Dicionário de História de Portugal. Porto, Liv. Figueirinhas, I. Id. (1979), Mindelo, Ibid., IV. Drumond, F. F. (1981), Anais da Ilha Terceira. Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura, III [Fac-simil. da ed. de 1859]. Hodges, G. L. (1950), Narrative of the expedition to Portugal in 1832. Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, 8: 22-34. Id. (1951), Ibid., 9: 1-69. Macedo, A. L. S. (1981), História das Quatro Ilhas Que Formam o Distrito da Horta. Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura, II-III [Fac-simil. da ed. de 1871]. Moniz, A. B. C. (1981), Ilha Graciosa ? Descripção Historica e Topographica. Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura. Pereira, R. A. Sampaio, A. S. (1904), Memória sobre a Ilha Terceira. Angra do Heroísmo, Imp. Municipal. Selvagem, C. (1931), Portugal Militar. Lisboa, Imp. Nacional. Valadão, F. L. (1943), A Ilha Terceira. A Emigração Liberal. D. Maria II Rainha da Terceira. O Terror. O Julgamento dum Guerrilheiro Condenado à Morte. Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, Angra do Heroísmo, 1: 60-95. Vidal, J. (1941), Um Batalhão Faialense nas Campanhas da Liberdade. Almanaque Açores, Angra do Heroísmo, Livraria Andrade: 97-100, 137-140 e 150-152.