(A. C. de Espinosa) [N. Angra, 1640 ? m. Lisboa, a 22.2.1722] Filósofo e historiador. O sexto e último filho de Manuel Cordeiro Moutoso e Maria de Espinosa, por linha materna aparentado com a fidalguia castelhana, fez os primeiros estudos no Colégio da Companhia de Jesus, na cidade natal, aí adquirindo notável cultura clássica. Em 1656, com destino a Coimbra, embarcou na armada castelhana que regressava da América, comandada pelo seu parente Álvaro de Bustamante. Uma peripécia de guerra naval entre a armada e os ingleses, já perto de Cádis, de que escapou apenas o navio em que vinha A. C., saldou-se no infeliz episódio da sua prisão em Cádis. Acusado de ter sabido da presença dos ingleses e nada ter dito, foi condenado à morte. Após o insucesso de fuga, que lhe agravou mais a situação, revogaram-lhe a pena e libertaram-no, graças à acção de Bustamante. Numa travessia memorável, sempre a pé, dirigiu-se ao Algarve, por Ayamonte, seguindo por Tavira, Faro e Lagos, onde ainda grassava a peste; alcançou Setúbal e aí, de novo preso por vir dos lugares da peste, esteve por quarenta dias num areal solitário. Levantada a interdição, continuou, por Lisboa, até Coimbra, onde, finalmente, se matriculou na Universidade em Cânones e Filosofia. A 12.6.1657 entrou para a Companhia de Jesus. Fez votos em 1659. Mestre em Artes, regressou aos Açores como professor de Humanidades Clássicas no Colégio de S. Miguel (1664-1668). De novo em Coimbra, fez o estudo de Teologia (1668-1672) e ordenou-se, provavelmente, em 1671. No tempo em que decorreu o terceiro ano do seu noviciado em Lisboa, pregou uma missão em Peniche e foi chamado para nova missão na comarca de Chaves, onde uma tentativa de assassinato por envenenamento o levou às portas da morte. Levado para Braga, ali se restabeleceu, regressando posteriormente a Lisboa como substituto do Páteo do Colégio de Santo Antão, onde permaneceu por três anos, ensinando Humanidades e Retórica. Entre 1676 e 1680, ocupou a cátedra de filosofia no Colégio das Artes de Coimbra, seguindo-se a de Teologia, cuja docência se estendeu até 1696, ano em que foi privado da cátedra e afastado de Coimbra por serem o seu ensino e método pouco ortodoxos. Nos anos seguintes, até 1712, exerceu actividade docente em Braga, Porto e Lisboa. Por volta de 1713, nesta última cidade, a ordem do Superior Geral obrigou-o ao isolamento na Casa do Paraíso, para que ali se dedicasse à reunião das suas lições, o que fez, tendo preparado seis tomos de vulto. Concluído o trabalho em 1716, assumiu, no ano seguinte, as funções de Padre Espiritual e Examinador Sinodal no Colégio de Santo Antão (Lisboa), aí permanecendo até à hora da morte. A sua obra divide-se em três áreas: Filosofia e Teologia ? Cursus Philosophicus Conimbricensis (1714) e Theologia Scholastica (1716), de que a seguir se expõem alguns traços principais; Direito ? Resoluções Teojurísticas (1718), onde se dedica a matérias do foro jurídico: testamentos, dotes, morgados ou capelas vinculares, etc.; e História: História Insulana (1717), que traça a história das ilhas açorianas, também Cabo Verde e Madeira, cuja principal fonte foi a obra manuscrita Saudades da Terra, de Gaspar Frutuoso, que este legara, em 1591, ao Colégio da Companhia de Jesus de Ponta Delgada, e Loreto Lusitano (1719), dedicada à história do Santuário de N.ª S.ª da Lapa (Bispado de Lamego). Não só A. C. incarna a insatisfação intelectual de um século a cujo contexto cultural afluem as desencontradas correntes da filosofia moderna e da filosofia escolástica, mas é ainda o seu pensamento o mais acabado símbolo do recontro doutrinário do aristotelismo tomista com o cartesianismo e o gassendismo. Como pensador de fronteira, ainda profundamente marcado pela tradição filosófica do tomismo, deste se afasta em algumas teses essenciais, afastamento, para a época, de carácter revolucionário, que não só esteve na origem do seu desterro para fora de Coimbra como impediu a publicação do Cursus Philosophicus, que só viria à luz após a retractação que escreveu e que precede aquela obra. Nunca, porém, admitiu A. C. a adesão aos supostos, pelo menos alguns, do mecanicismo moderno, mas as suas dissenções com S. Tomás, no que concerne à gnosiologia, por aí parecem concluir: por exemplo, não-aceitação da distinção real entre a alma e suas potências e entre a inteligência e a vontade ou recusa da teoria do intelecto agente, considerada especulação quimérica ou desprovida de significado. Pese o facto de, no registo patente, as inovações de A. C. se consignarem sob a rubrica do aristotelismo renovado e da fidelidade ao texto original de Aristóteles, na linha dos Conimbricenses, há no pensador explícita ausência da doutrina aristotélica, também tomista, do acto e potência, o que coloca a questão grave de saber se essa ausência não será informada pela sua abertura às categorias dos modernos, precisamente na oposição quer ao aristotelismo quer ao tomismo. De entre as possíveis influências do cartesianismo, cumpre realçar a tendência de A. C. para a explicação dos fenómenos orgânicos (biológicos e fisio-anímicos) no recurso ao modelo mecânico das interacções da matéria viva ou de esta com a alma, por aí substituindo a explicação aristotélico-escolástica que se centra na matéria e na forma como princípios da mudança e da permanência, explicativos ainda da unidade do composto humano. Por outro lado, o inatismo de A. C., que ainda divide em controvérsia os seus intérpretes, só incidentalmente se analoga ao de Descartes. O filósofo admite uma doutrina da infusão de determinados hábitos das ciências naturais no momento da criação da alma por Deus, por isso que não há ciência natural e habitual que seja adquirida inteiramente nova pelo ser humano. A noção de hábito aparece, em primeira instância, a concordar com a doutrina espiritual dos conhecimentos infusos ? embora não sejam estes, para A. C., em acto ? e traduz a inclinação ou disposição natural da potência anímica para este ou aqueloutro tipo de ciência. Não parece pois ser este inatismo infuso de A.C. consequência directa do cartesianismo, embora com ele possa relacionar-se pela expressão de uma virtualidade comum ao hábito infuso e à ideia inata. Menos controversa parece ser a sua aproximação a Gassendi, pela adopção de uma teoria corpuscular (ou atomista) da matéria, mais adequada à aplicação da matemática aos fenómenos físicos e, por isso, distante da física qualitativa de Aristóteles. Manuel Cândido Pimentel (2002)
Obras (1714), Cursus Philosophicus Conimbricensis. Ulyssipone, Ex Officina Regia Deslandesiana [três tomos ordinariamente reunidos num só volume]. (1717), Historia Insulana das Ilhas a Portugal Sugeytas no Oceano Occidental. Lisboa Occidental, Antonio Pedrozo Galram. (1716), In praecipua partium Divi Thomae Theologia Scholastica. Ulyssipone, Ex praelo Josephi Lopes Ferreyra. (1718), Resoluçoens Theojuristicas. Lisboa Occidental, Antonio Pedrozo Galram. (1719), Loreto Lusitano, Virgem Senhora da Lapa: Residencia milagrosa do Real Collegio de Coimbra da Companhia de Jesus. Lisboa, Filipe de Sousa Villela.
Bibl. Enes, J. (1955), Influências Mecanicistas no Pensamento Filosófico do P. António Cordeiro In Actas do I Congresso Nacional de Filosofia. Braga, Faculdade de Filosofia de Braga: 554-560. Abranches, C. (1961), Argumento Ontológico e Ideias Inatas em António Cordeiro. Revista Portuguesa de Filosofia, XVII: 1-12. Moraes, M. (1966), Cartesianismo em Portugal: António Cordeiro. Braga, Faculdade de Filosofia de Braga.