Urbanismo e Território
Cabeça da ilha açoriana de maior altitude, postada perante o urbano Faial e dele separada pelo «canal», o concelho da Madalena apresenta uma ocupação material edificada que atesta a sua intensa dimensão rural, e a importância ancestral das culturas da vinha no território, com o seu acompanhamento inevitável de adegas, alambiques, armazéns e de grandes casas rurais. Um pouco como sucede nos concelhos vizinhos, mas aqui com uma articulação mais visível e directa com a «ilha em frente», o que faz da Madalena uma espécie de «interface» rural-marinho com o restante arquipélago.
De facto este «povoamento da vinha» ? consagrado em 2004 com a classificação de uma parte de área concelhia como Património da Humanidade pela UNESCO ? inclui vastos espaços produtivos que procuram abranger os conjuntos ou edifícios isolados de adegas, de alambiques, de armazéns contidos na área concelhia da Madalena, em articulação com a sua portentosa dimensão de unidades paisagísticas e mesmo com algumas construções de escala monumental, embora utilitária.
Destaquemos, neste quadro funcional, o das obras construídas com vocação utilitária, os que constituem verdadeiras unidades paisagísticas, definindo uma diversidade de formas e espaços, e atingindo uma significativa dimensão geográfica.
O actual Museu do Vinho, nas Bandeiras ? que foi casa dos antigos carmelitas ? é um exemplo de recuperação e reutilização cultural destes equipamentos (pelo arquitecto Paulo Gouveia, 1992), que merece por isso um destaque primeiro e positivo: inclui casa e cisterna, à roda de notável dragoeiro, e algumas obras novas, como o mirante sobre o vinhedo e o mar, além das instalações produtivas e museais propriamente ditas.
Muitas outras unidades paisagísticas pertencem a este universo funcional: são exemplo o conjunto de aglomerados de adegas e de currais de vinha, na Pontinha, que faz parte da Paisagem Protegida (decreto de 1996), ou o conjunto de adegas e alambiques de Fogos, na Candelária, ou ainda idêntico conjunto, com seus armazéns e terrenos, junto ao Porto de Ana Clara, na mesma Candelária.
O mais erudito e impressivo dos exemplos de arquitectura ligada ao espaço vinhateiro é porém o da antiga Casa Conventual dos Jesuítas, nos Toledos da Madalena, com o seu esplêndido, embora arruinado, conjunto edificado em torno de um pátio, onde o portal barroco se impõe, negro e branco, entre o verde da vinha e o azul forte do céu.
Um tema especialmente interessante no concelho da Madalena é o dos conjuntos edificados com carácter urbano ou proto-urbano, domínio onde podemos encontrar dois casos muito qualificados: um é o do centro urbano da vila da Madalena, pontuado pelo emblemático e vetusto edifício da câmara (de 1723, data da elevação a concelho da então freguesia da Lajes, de Nossa Senhora da Madalena), pelos edifícios que com ele formam um todo, e pela igreja da matriz da vila (da transição dos séculos XIX-XX, revestida a azulejo, restaurada em 2004) ? todos este imóveis estão articulados entre si pelos espaços públicos que se vão aproximando da área portuária e marinha; o outro é o do conjunto da rua Direita e largo da igreja da Criação Velha, com a igreja de Nossa Senhora das Dores, o «império» de 1902, o cemitério e a vasta e frondosa alameda dos plátanos com os edifícios correntes da envolvente.
Em síntese, foi assente num «triângulo», constituído pela actividade produtiva dominantemente vinhateira, complementada esta por uma forte componente doméstica e residencial, e enquadrada ainda pela presença dos espaços religiosos, que a estrutura territorial, urbana e construída marcou e caracterizou o espaço de ocupação humana nesta área ocidental do Pico. José Manuel Fernandes
[texto desenvolvido a partir do escrito para a obra Madalena Pico, ed. IPIA / IAC, 2001]
Aspectos Económicos O concelho da Madalena é um dos três concelhos da ilha do Pico, localizando-se em frente à ilha do Faial. No censo de 2001, apresentava uma população residente de 6.136 habitantes, sendo o mais populoso desta ilha. Com 147,1 km2 de área a densidade populacional é de 42 hab/km2, um valor mais baixo do que os 106 hab/km2 dos Açores (INE, 2002).
Este concelho é servido por um porto de passageiros e cargas.
A população activa reparte-se por diversas áreas de actividade, incluindo a agrícola e agro-pecuária, a industrial e a dos serviços. Na área industrial destacam-se a produção de lacticínios, de vinhos e a transformação de pescado. A indústria da construção civil ocupa também um lugar significativo nas actividades do concelho. Os serviços concentram-se, essencialmente, nas actividades do sector público e no comércio.
O turismo e a restauração têm uma expressão muito significativa na economia do concelho. Em 2002, a Madalena concentrava uma oferta de 298 camas, cerca de metade da oferta do Faial.
Segundo o Recenseamento Geral Agrícola de 1999 (INE, 1999), havia, na Madalena, nesta data, 1.088 explorações agrícolas. A quase totalidade destas explorações tinha a natureza de produtor singular por conta própria, sendo apenas duas sociedades. A quase totalidade da mão-de-obra utilizada é familiar, com os homens a representar pouco mais do que as mulheres (1.375 e 1.083, respectivamente).
O efectivo animal, em 1999, incluía 6.054 bovinos, dos quais 677 (11%) eram vacas leiteiras.
Em 1999, das 570 empresas com sede na Madalena, 141 (25%) eram do sector primário, 137 (24%) eram do sector do comércio, 98 (17%) de construção civil, 43 (8%) da indústria transformadora, 77 (6%) dos transportes, armazenagem e comunicações e 34 (6%) do ramo de alojamento e restauração, dispersando-se as restantes por outros ramos.
A taxa de actividade do concelho era, em 2001, de 42,1%, valor igual aos 42% da Região Autónoma dos Açores.
O volume de vendas das sociedades sediadas atingiu, em 2000, 28,1 milhões de euros (INE, 2001). No mesmo ano, o orçamento da Câmara Municipal atingiu os 4,5 milhões de euros (SREA, 2001: 128).
Em 1999, 9,2% da população era pensionista (SREA, 2001: 150).
A Madalena apresentava, em 1997/1999, um Índice Per Capita de Poder de Compra de 53,9% da média nacional, um valor inferior ao dos Açores que, nesta mesma data, atingiu os 66,5%.
A economia da Madalena pode caracterizar-se pela sua concentração nas bases agro-pecuária, industrial, comercial e do turismo, com uma expressão reduzida dos demais sectores de actividade. Mário Fortuna
Aspectos Religiosos O mais recente concelho do Pico esteve desde o início do seu povoamento intimamente ligado à ilha do Faial, fenómeno que se agudizou após 1723, quando a autoridade do ouvidor da Horta passou a incidir sobre o novo município, abarcando o clero e as populações residentes nas localidades da Madalena, Bandeiras, Criação Velha, Candelária, S. Mateus e S. Caetano.
A localização geográfica da paróquia de Santa Maria Madalena, fronteira ao Faial, sobrevalorizou esta área perante as freguesias vizinhas. Com um núcleo populacional anterior a 1542, o crescimento demográfico e a relevância económica desta área, baseada essencialmente na economia vinícola, motivaram o desenvolvimento das estruturas religiosas, como indica a construção da igreja matriz, no decurso do século XVII, substituindo uma ermida quatrocentista, com a mesma invocação. O actual templo sofreu algumas alterações em 1871 e em 1953. Sagrada em 1931 pelo Bispo de Macau D. José da Costa Nunes, o edifício foi novamente prejudicado pelo sismo de 9 de Julho de 1998. Como é natural, a jurisdição da matriz impunha-se sobre diversas ermidas que lhe eram sufragâneas, como a de Nossa Senhora do Rosário, fundada em 1653, a de Nossa Senhora da Conceição, edificada em 1712 e a de Nossa Senhora das Dores, construída em 1785.
Também S. Mateus foi uma das primeiras zonas de povoamento deste concelho, com um núcleo populacional fundado no tempo do primeiro capitão da ilha, Jos Dutra. Em 1588, o bispo D. Manuel de Gouveia, em visita à ilha do Pico, eleva-a a freguesia. A relevância desta zona muito deveu à devoção ao santo titular, comprovada desde os tempos de Gaspar Frutuoso, que regista a muita romagem dirigida ao templo de S. Mateus, cujo edifício original foi destruído no terramoto de 1562. Uma outra erupção, desta feita a de 1718, centrada na freguesia de S. João, reforçou a prática devocional em volta da festa de Bom Jesus, designadamente pela firmação de um voto popular, que garantia a oferta de pão a todos os que comparecem na festa deste santo, celebrada a 6 de Agosto. Actualmente, esta promessa mantém-se viva, com a entrega de «rosquilhas» aos muitos devotos que acorrem a venerar a imagem do Bom Jesus Milagroso, oferecida em 1862 por Francisco Ferreira Goulart, um emigrante do Brasil, guardada no actual templo desta freguesia, construído na primeira metade do século XIX e elevado a santuário por decreto diocesano de 1 de Julho de 1962.
O desenvolvimento das restantes freguesias da Madalena decorreu, essencialmente, ao longo dos séculos XVIII e XIX, como é o caso da Candelária (Nossa Senhora das Candeias), sede paroquial em 1725, sob influências do prelado D. António Vieira Leitão, cuja igreja é iniciada em 1760; da Criação Velha (Nossa Senhora das Dores), com igreja construída em 1729 e elevada a paróquia em 1799; das Bandeiras (Nossa Senhora da Boa Nova), com igreja anterior a 1723, mas cujo templo actual é edificado em 1871; e de S. Caetano, cuja ermida dedicada a este santo foi construída em 1701 e elevada a curato em 1862 e a paróquia em 1886, com uma igreja edificada entre 1874 e 1878.
A íntima ligação com a ilha do Faial suscitou a edificação de outras instituições religiosas, sob o patrocínio das Ordens Religiosas que se encontravam sedeadas na Horta e, à semelhança de muitos outros faialenses, possuíam propriedades neste concelho picoense. Refira-se a casa conventual dos franciscanos, na zona da Barca; a setecentista casa dos Jesuítas, nos Toledos, em actual estado de ruína; a casa dos Capuchinhos, no Monte; e a casa conventual dos Carmelitas, cuja construção dos séculos XVII e XVIII alberga nos nossos dias o Museu do Vinho, na Madalena. Mais recentemente, em 1986, esta freguesia é beneficiada pela fundação do lar de Santa Maria Madalena, para albergue dos mais idosos, cuja gestão pertence às Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, sob o patrocínio da Santa Casa da Misericórdia local.
À semelhança do que sucede nos restantes municípios insulares, a Madalena possuiu uma relevante rede de associações religiosas, materializadas nas inúmeras confrarias que vivificaram no seio das igrejas locais. Na matriz de Santa Maria Madalena, os séculos XVII e XVIII assistiram ao eclodir do fervor das irmandades, como a das Almas, criada em 1683 e que, em 1826, ainda possuía 125 confrades. A distinção exterior das diversas irmandades passava pela coloração das respectivas opas, como as de cor azul da confraria do Bom Jesus, as de cor vermelha da irmandade do Santíssimo Sacramento e as de cor branca da confraria de Nossa Senhora da Conceição. O protagonismo, contudo, pertence às irmandades do Divino Espírito Santo, espalhadas por todas as freguesias madalenenses, e que dinamizam os festejos religiosos por todo o concelho no início da época estival.
Do concelho da Madalena destaca-se a naturalidade de muitos sacerdotes que, ao longo dos séculos XIX e XX, tiveram uma importante actividade missionária nas áreas de emigração açoriana, mormente nos Estados Unidos da América, no Brasil, em Moçambique e no Oriente, onde se realçam as figuras de D. José da Costa Nunes, bispo de Macau (1919-1940), e de Goa (1940-1953) e de D. Arquimínio Rodrigues da Costa, bispo de Macau (1976-1988). Susana Goulart Costa
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