Localização Geográfica A ilha de São Jorge, situa-se no Grupo Central do arquipélago dos Açores, e faz parte do conjunto de três ilhas conhecidas como «As Ilhas do Triângulo» (Faial, Pico e São Jorge), com uma superfície de 245,8km², representando 10,5 % da área total do arquipélago. A sua localização absoluta é entre os 38º 30´ e os 38º 46´ de latitude Norte (N) e entre 27º 44´ e os 28º 19´de longitude Oeste (W). A ilha mais próxima é a do Pico, a sul (S), distando cerca de 18 km, na largura do canal entre São Roque (Pico) e Velas (São Jorge), num alinhamento insular quase paralelo, motivado pelas facturas que configuram a tectónica regional, seguida do Faial a 39 km, da Graciosa a 60 km e da Terceira a 93 km. Mário Rui Leal
Geografia Física Com configuração alongada e bastante estreita no sentido de noroeste para sudeste (NO-SE) a ilha de São Jorge tem um comprimento de aproximadamente 55 km, entre a Ponta dos Rosais (Velas) e o Ilhéu do Topo (Calheta). A sua largura máxima, medida na perpendicular ao eixo de maior comprimento, Fajã das Pontas (Calheta) e o Portinho da Calheta (Calheta), é de cerca de 7 km. A linha de costa, com 128 km, apresenta-se a norte, com declives acentuados e abruptos formando imponentes arribas instáveis, sulcadas por linhas de água e ribeiras bastante encaixadas, suavizadas aqui e ali, por movimentos de massa, conhecidos na ilha por quebradas, e por escoadas lávicas, características que levaram à formação de fajãs, detríticas e lávicas respectivamente. Estas caracterizam-se pelo seu declive pouco acentuado, portanto mais fácil de cultivar, favorável a determinados tipos de culturas que não se desenvolvem em altitude, constituindo um modelo único de ocupação do espaço. A costa sul caracteriza-se por um declive menos acentuado, descendo em alguns locais, com alguma suavidade até ao mar. A acessibilidade ao mar coloca muitas dificuldades no litoral norte, principalmente nos troços de arriba alta e escarpada, que chega a atingir altitudes até 480 m, já no que diz respeito ao litoral sul a acessibilidade está mais facilitada existindo dois portos comerciais e de passageiros, das Velas e da Calheta. São Jorge é uma ilha singular, devido ao seu elevado número de Fajãs, tendo sido estas ocupadas desde o início do povoamento.
A ilha de São Jorge apresenta uma orografia bastante acidentada, com 36,4% da sua área acima dos 500 m, distinguindo-se quatro grandes regiões de relevo, as fajãs, as arribas, os planaltos e a cordilheira central, sendo o Pico da Esperança o seu ponto mais elevado com 1.053 m de altitude seguido do Pico do Arieiro 958 m e Pico da Carvão 954 m.
Como as restantes ilhas do arquipélago, tem origem vulcânica e a sua génese está intimamente relacionada com a tectónica regional. O alinhamento de cones estrombolianos na direcção WNW-ESSE, comprova vulcanismo fissural. O relevo vigoroso a oeste (W), e uma morfologia bastante mais suave a este (E) permite individualizar duas regiões distintas, respectivamente, a Região Ocidental (formações mais recentes) e a Região Oriental (formações mais antigas), separadas, pela falha da Ribeira Seca, de direcção nor-noroeste e su-sueste (NNW-SSE).
A primeira compreende a área entre a Ponta dos Rosais e o limite definido pela Canada da Ponta, a norte, e a Grota Funda, a sul (Madeira, 1998). Esta região de vulcanismo mais recente, que se percebe quer pelas formas menos alteradas de alguns cones e pela frescura dos materiais vulcânicos a eles associados, quer por nela se situarem os centros eruptivos das erupções históricas de 1580 (junto à Ribeira do Almeida, na Queimada e entre a Ribeira do Nabo e a Preza das Cruzes) e 1808 (Urzelina). A intensa actividade vulcânica recente foi fundamental para que na zona central e oriental desta região se encontrem as maiores altitudes, como é o caso do Pico da Esperança (1053 m).
Ocorre um forte contraste entre as vertentes nordeste e sudoeste (NE e SW) da ilha de São Jorge. As arribas escarpadas a nordeste (NE) apresentam altitudes que variam entre 300 m e 400 m respectivamente, e declives abruptos, superiores a 45º (íngreme a vertical). Nesta zona encontram-se algumas fajãs lávicas (Fajã do Ouvidor, Fajã das Pontas e Fajã da Ribeira da Areia) e também fajãs detríticas (Fajã de João Dias e Fajã da Penedia). Na encosta a sudoeste (SW) as arribas exibem altitudes mais inconstantes, embora, sempre superiores a 100 m. Seguindo a linha de costa observam-se, várias fajãs lávicas, tais como Fajã de Velas, Fajã da Queimada, Fajã Grande e Fajã da Calheta.
As ribeiras a poente da ilha são de regime periódico, que é fortemente regulado pela morfologia vulcânica recente. Apresenta uma rede hidrográfica com cursos de água pouco extensos, mais ou menos paralelos e pouco encaixadas, exceptuando-se aqueles que se estendem em cima de depósitos piroclásticos. A este, a morfologia é também resultado de uma intensa actividade vulcânica fissural, embora apresente um relevo mais antigo e fortemente modelado pelos agentes erosivos. Deste modo verifica-se, um recuo do litoral nordeste (NE) até à cadeia axial dos cones, que as arribas são mais altas do que as existentes na região ocidental, que a morfologia original dos cones está mais apagada, que os efeitos da tectónica estão mais presentes, que as fajãs são todas detríticas, por ausência um vulcanismo mais recente, que os cursos de água se mostram mais encaixados no relevo e que o grau de hierarquização das bacias hidrográficas é um pouco mais elevado do que na região ocidental (Madeira, 1998). As linhas de água de região oriental desenvolvem-se diagonalmente à ilha, e são mais longas. O número de ribeiras com caudal permanente é reduzido na ilha, mas encontra neste sector maior número, com realce para a Ribeira da Caldeira de Santo Cristo, Ribeira dos Vimes e Ribeira de São João.
Os recursos geológicos existentes são algumas nascentes, aglomerados, piroclastos finos conhecidos por bagacinas e basaltos.
O Anticiclone dos Açores e as condições do relevo influenciam o clima Temperado Oceânico ou Marítimo, que se caracteriza por uma temperatura média anual de cerca de 17ºC junto ao litoral, sendo mais reduzida na costa norte e decrescendo em altitude, a amplitude térmica anual anda à volta dos 8ºC, a precipitação é elevada em toda a ilha com destaque para o litoral Norte (N) e aumentando em altitude, a humidade relativa do ar é elevada, aumentando nas zonas de relevo mais acentuado, a nebulosidade é também elevada com maior incidência para as regiões mais elevadas. Nas fajãs existem microclimas com variações climáticas, que permitem o desenvolvimento de espécies vegetais exóticas como o cafezeiro Coffea spp. (Rubiaceae).
Ao longo dos séculos, a vegetação natural degradou-se progressivamente sendo a actividade antrópica o factor que mais condiciona a sua distribuição, não obstante os factores físicos, como o clima e o relevo. Assim temos uma grande percentagem da ilha ocupada, desde que a topografia o permita, por pastagens e em segundo lugar, mas com menos expressão pelas matas, com alguns pinheiros bravos, Pinus pinaster (Pinaceae), acácias, Acacia melanoxylon (Fabaceae), predominando os eucaliptos, Eucalyptus globulus (Mirtaceae) e criptomérias, Cryptomeria japónica (Taxodiaceae). Nas arribas e nos locais de acesso mais difícil podem encontrar-se grandes áreas de vegetação quase toda primitiva, constituída por espécies como o cedro do mato, Juniperus brevifolia (Cupressaceae), azevinho, Ilex azorica (Aquifoliaceae), louro-da-terra, Laurus azorica (Lauraceae), urze, Erica azorica (Ericaceae), queiró, Daboecia cantabrica azorica (Ericaceae), uva-da-serra, Vaccinium cylindraceum (Ericaceae), pau branco, Picconia azorica (Oleaceae), folhado, Viburnum tinus ssp. subcordatum (Caprifoliaceae) e tamujo, Myrsine africana (Myrsinaceae) que se integra na província da Macaronésia. Esta ilha possui ainda, o maior número de endemismos no que diz respeito às plantas vasculares (43). Ocorrem também turfeiras em algumas áreas (Serra do Topo), muito importantes na captação e libertação de água para os aquíferos. Mário Rui Leal
Geografia Humana A ocupação e organização do espaço na ilha, quer ao nível das actividades económicas, quer na distribuição dos aglomerados populacionais e sua evolução demográfica, foi desde sempre condicionada por factores físicos como o clima e o relevo. São Jorge administrativamente é constituída por dois concelhos, Velas com seis freguesias (Manadas, Norte Grande, Rosais, Santo Amaro, Urzelina e Velas) e Calheta com cinco (Norte Pequeno, Ribeira Seca, Santo Antão, Topo e Calheta). Apresenta um povoamento com um padrão misto, pequenos núcleos edificados alternam com a presença de pequenas faixas de ocupação linear, limitando-se quase exclusivamente às fajãs e costa sul. As fajãs foram e são os locais que reúnem melhores condições naturais (relevo, clima, solos férteis, água e acessibilidade ao mar) para a fixação e concentração humana, formando os principais núcleos populacionais, apesar de serem particularmente vulneráveis a derrocadas, tendo-se desenvolvido uma forma típica de povoamento, construindo socalcos e aproveitando todas as superfícies planas disponíveis. Contrariamente, o povoamento do tipo aglomerado-linear, desenvolve-se ao longo das vias de comunicação mais recentes. Os principais centros urbanos, sedes de concelho, encontram-se localizados junto ao mar, nas fajãs de Velas e da Calheta.
A população de São Jorge tem vido a decrescer significativamente desde 1864, data do primeiro recenseamento geral da população devidamente organizado, em que atingiu o pico demográfico contando com 17 998 indivíduos (Censo de 1864), até 2005 ano em que contava com 9 674 indivíduos segundo o Anuário Estatístico da Região Autónoma dos Açores (SREA, 2006), tendo perdido 53,7% do seu efectivo populacional. Esta recessão demográfica não foi constante podendo-se individualizar quatro períodos: (a) primeiro de 1864 a 1920 (-25%); (b) segundo de 1920 a 1950 em que houve um crescimento (+ 29,4%); (c) terceiro de 1950 a 1980, a população volta a decrescer (-37,2%); (d) actual em que a população mantém-se relativamente estável. Em 2005 a Taxa de Crescimento Efectivo mantinha-se negativa (-0,36 %). De acordo com o XIV Recenseamento Geral da População (INE, 2002), a população total era de 9 674 indivíduos, 4,3% da população açoriana, o que representa um decréscimo de 545 habitantes relativamente a 1991 (10 219 indivíduos). Em 2001, o concelho de Velas comportava o maior efectivo demográfico (5 605 indivíduos), seguido do concelho da Calheta (4 069 indivíduos).
A densidade populacional variou entre 73,2 hab/km2 em 1864 e 39,1 hab/km2 em 2005, uma das mais baixas do arquipélago.
A estrutura etária denota o progressivo envelhecimento da população, apresentando em 2005, e de acordo com o Anuário Estatístico da Região Autónoma dos Açores (SREA, 2006) mais de 51,6% da população com idades compreendidas entre 25 e 64 anos, contra 30,8% de jovens e cerca de 25,1% de idosos. O Índice de Envelhecimento que tinha mais que duplicado no período de 1950 a 1981, voltou a ter o mesmo comportamento no período de 1981 a 2001 passando de 57,2 % para 113,5 %, o que significa que por cada 100 jovens (0-14 anos) existem cerca de 113 habitantes com 65 ou mais anos.
Os principais núcleos populacionais contam com equipamentos, de saúde, segurança, ensino, cultura, desporto e lazer.
No que diz respeito ao sistema de transportes, esta ilha sofreu um grau de isolamento acentuado, quer em relação ao exterior, quer entre os diversos aglomerados dispersos pelas fajãs, motivado pela deficiente rede viária. Durante muito tempo o principal meio de transporte era o barco, disponibilizado pelos barcos (iates do Pico) que faziam o percurso entre Horta (ilha do Faial) e Angra do Heroísmo (ilha Terceira). Quando alguém queria embarcar era lançado um foguete, o barco parava e um bote ia buscar o passageiro. Actualmente (2007), o transporte de mercadorias, na costa norte, ainda é feito por barcos, tendo por base o pequeno porto da Fajã do Ouvidor. O transporte rodoviário está servido pelas estradas regionais, municipais, caminhos municipais e de penetração para acesso às explorações agrícolas e locais de interesse turístico, em grande parte renovados e em boas condições de circulação, permitindo chegar a muitos pontos da ilha. A cobertura por transportes públicos de passageiros tem pouco significado, tendo apenas significado no transporte de estudantes. Os serviços de táxis são uma alternativa. A rede de transportes com o exterior é composta pelos portos de mercadorias e de passageiros, de Velas e da Calheta, ambos na costa sul, com ligações regulares aos portos do Pico e do Faial e, durante o período de Verão, também ao porto de Angra do Heroísmo. Em relação ao transporte aéreo, o principal recurso na deslocação de passageiros inter-ilhas e para Portugal Peninsular, está servida por um aeródromo situado na Fajã da Queimada, freguesia de Santo Amaro, a poucos quilómetros da vila das Velas.
A existência de solos férteis e de um clima favorável para a agricultura intensiva, contrastam com o relevo que não permite o seu total aproveitamento. Contudo, nas últimas décadas tem havido uma tendência para a diminuição da superfície ocupada por culturas agrícolas devido à sua substituição por pastagens, nas cotas inferiores a 200 metros, para a agro-pecuária, especialmente a criação de bovinos que é a principal actividade económica da ilha, nomeadamente para a produção de leite, tendo ocorrido na década de noventa um crescimento acentuado dos efectivos de vacas leiteiras (+18%) destinado ao fabrico de queijo de São Jorge, produto de renome internacional, mas também para a produção de carne. Os cerca de 800 produtores agrupados em 9 cooperativas forneceram matéria-prima num total de 27 992 703 litros de leite em 2004, para 1800 toneladas/ano de queijo de São Jorge. A agricultura tem pouca expressão sendo a sua produção destinada ao auto-consumo. A pesca artesanal é também uma importante actividade do sector primário, desenvolvendo-se, sobretudo, nos meses de Verão, a produtividade é aceitável, consumida na ilha e exportada. O sector secundário de actividade está essencialmente centrado na indústria dos lacticínios organizada em cooperativas de produção de queijo de São Jorge e na indústria de conserva de atum, com 132 toneladas descarregadas em 2004. São Jorge apresenta um elevado grau de terciarização com especial significância do peso da administração pública e dos sectores da saúde e educação. Ainda no sector terciário destacam-se as actividades de comércio, de transportes e comunicações, as actividades imobiliárias e actividades turísticas, embora estas não assumam um papel de relevância no contexto da criação e de emprego. O turismo é uma actividade que começa a desenvolver-se, gradualmente, e é vista como o pilar estratégico da diversificação da base económica, no entanto a oferta de alojamento é reduzida, existindo duas unidades de hotelaria tradicional, e quatro «casas de campo». Existem também dois parques de campismo e algumas residências particulares que alugam quartos. A capacidade de alojamento da ilha é de cerca de 300 camas. Serviços de apoio aos visitantes, estabelecimentos de restauração, cultura, aluguer de viaturas, animação turística, entre outros podem ser encontrados em redor da ilha principalmente nas sedes de concelho.
A taxa de actividade aumentou na década de noventa, passando de 35% para 40%. A taxa de desemprego aumentou de 2% em 1991 para 5,3% em 2001.
O nível de instrução da população é baixo, mas tem vindo a melhorar significativamente. Para uma população que em 1981 tinha uma Taxa de Analfabetismo muito elevada, de 22,2%, já em 2001, 49,5 % dos habitantes completou o 1.º ciclo do ensino básico e a taxa de analfabetismo era de 9,8 %. Da restante população 11,8% detém o 2.º ciclo do ensino básico, 12,2% o 3.º ciclo do ensino básico, apenas 8% possuem o ensino secundário e 4,7% possuem o ensino superior, valor inferior à média regional (5,2%). Mário Rui Leal
História Rodeada pelas restantes ilhas do grupo central do arquipélago dos Açores, S. Jorge aparece, no imaginário de Vitorino Nemésio, em Mau Tempo no Canal, como um navio azulado pelo fumo da marcha. Outras metáforas, mais ou menos intensas de significação, reportam esta ilha cuja superfície de 237,59 km2 se alonga na direcção SE-NW, por cerca de 60 km, da Ponta de Rosais ao Topo. Descoberta, antes de 1439, foi incluída no senhorio do Infante D. Henrique, seu primeiro donatário no âmbito temporal e, de certa forma, também no espiritual porquanto àquele coube o governo da Ordem de Cristo a que pertencia. O testamento do «Navegador», redigido em Outubro de 1460, permite-nos afirmar a existência de um pequeno aglomerado à volta da igreja matriz da futura vila das Velas. Decerto, em 1483, a ilha formava uma capitania, então entregue a João Vaz Corte Real. A este e aos seus sucessores, com responsabilidades também na vizinha ilha Terceira, coube o esforço mais decisivo no povoamento feito de acordo ao sistema antigo das sesmarias: concessão de terras pelos donatários, seus capitães e procuradores, aos protegidos, de acordo à capacidade de cultivo destes. Membros de uma poderosa família, de tradição mercantil, colocada nos principais portos portugueses, designadamente em Lisboa, em Tavira, em Lagos e em Angra, os Corte Real terão incentivado a fixação nas ilhas dos seus clientes, alguns deles estrangeiros. Encontraremos os descendentes de um destes, o flamengo Guilherme Van der Hagen ou da Silveira, a desempenhar os cargos mais importantes da administração jorgense não só no Topo, mas também em Velas. Contudo, o grosso dos povoadores chegará particularmente dos cais do Norte de Portugal: de Viana da Foz do Lima, de Aveiro e da Foz do Mondego. Alguns fixaram-se, outros arrendaram as suas terras, pelo que, desde cedo, são conhecidos alguns senhores de fora: caso dos Pintos de Viana da Foz do Lima e do conde de Aveiras. Entretanto, as terras mais altas, denominadas escalvados, mantiveram-se baldias.
Decerto, na primeira metade de Quinhentos, o arroteamento das terras jorgenses prossegue até à exaustão com elevadas produções: de trigo, que chega aos celeiros do monarca e dos vários senhorios de fora; de vinho, que encontra condições excelentes na área da Urzelina e particularmente nos Casteletes; de carne e queijo, em virtude do desenvolvimento da pecuária, mormente do gado grosso, principal riqueza desta ilha até aos nossos dias. Em alguns espaços protegidos da encosta sul, alguns agricultores esmeraram-se na produção frutícola, mormente figo, maçã, pêssego e laranja, em que grande parte da ilha carece. Curiosamente, na fajã de S. João, do antigo concelho do Topo, consegue-se produzir café. Outras actividades ligadas à esfera agrícola e à transformadora ocuparam muitos jorgenses ao longo dos últimos cinco séculos. Delas, destacamos: a apanha da urzela para a tinturaria; a produção do linho e da lã e a fabricação dos respectivos panos, desde os primórdios; o inhame, no século XVII, motivo de conflito com as autoridades fiscais na última década da centúria em causa; a batata, desde finais do século XVIII e a batata-doce, desde 1861. Em alguns períodos, a caça da baleia e a pesca atingiram maior relevo local do que têm hoje. As artes tradicionalmente femininas, os bordados e a tapeçaria, conheceram momentos de prosperidade. Até meados do Novecentos, a indústria de óleo de cetáceo manteve importância local e, já na década de 60, deve notar-se a pesca do atum, particularmente da albacora e do bonito, que fez instalar duas unidades industriais no concelho da Calheta.
Ainda no primeiro quartel de Quinhentos, os jorgenses participavam em missões em outros pontos do Império Luso, designadamente em Safim, e a ilha integrava-se no mundo cheio do Ocidente Europeu. O crescimento demográfico do Reino, nas primeiras década de Quinhentos, acontece em simultâneo ao processo de povoamento dos Açores e em particular da ilha de S. Jorge e aqui se delimitaram três municípios, Velas (1500?), Topo (1510) e Calheta (1534), e várias freguesias, que citamos de imediato, de uma ponta à outra da ilha: Rosais (antes de 1559), Velas (antes de 1500), Santo Amaro (1691), Urzelina (1647), Norte Grande (finais do século XVI), Norte Pequeno (1748), Manadas (antes de 1559), Calheta (antes de 1534), Ribeira Seca (finais do século XVI), Santo Antão (1889) e Topo (antes de 1510).
A Irmandade da Misericórdia das Velas constitui-se muito cedo (1541) e, desde sempre, o bom funcionamento das câmaras municipais e do almoxarifado demonstra o empenho de uma certa aristocracia local na defesa do bem comum, no serviço do rei e sobretudo do povo. O culto religioso foi garantido obviamente pela Ordem de Cristo e pelos frades agostinhos e franciscanos até à instituição nas ilhas da diocese de Angra. Estes últimos conseguirão mesmo estabelecer um convento masculino, em 1608, da invocação de Nossa Senhora da Conceição e um feminino do patrocínio de Nossa Senhora do Rosário em finais do século XVII. Ao tempo, uma rede de igrejas e ermidas com uma densidade relativamente elevada cobria o solo jorgense e, no imaginário das gentes, defendia a ilha dos inimigos espirituais. A organização defensiva, no sentido militar do termo, recebeu um impulso decisivo no reinado de D. Sebastião, em 1570, com a organização das milícias locais e a eleição do primeiro capitão-mor (1571): Guilherme da Silveira. A linha de fortificação da costa será desenvolvida já durante a dominação filipina depois da visita do capitão Marcos Fernandes de Teive em 1618. A organização defensiva empenhou sempre os homens mais válidos das ilhas. Entre estes, em vários âmbitos, distinguiu-se até aos nossos dias, um conjunto de personalidades que urge citar pela dimensão atingida dentro e fora da ilha: Guilherme da Silveira, primeiro capitão-mor (1571-1580); D. Frei Bartolomeu do Pilar de Bettencourt (1667-1733), primeiro bispo de Belém do Pará; João Soares de Albergaria de Sousa (1776-1875), autor da Corografia Açorica, dito fundador da açorianidade; D. Manuel Bernardo de Sousa Enes (1814-1887), professor de História Eclesiástica e de Teologia, em Coimbra, onde chegou à cátedra em 1872, e bispo de Macau (1873-1883), Bragança e Miranda (1883-1885) e Portalegre (1885-1887); Dr. João Teixeira Soares de Sousa (1827-1875), personalidade da cultura e da política jorgense de larga envergadura; a poetisa Mariana Belmira de Andrade, autora de Fantasias (1875), de A Sibila (1884) e de A Esfinge e o maestro Francisco de Lacerda (1869-1934), com uma dimensão internacional notável e muitos eclesiásticos e universitários distintos e homens e mulheres de Letras que não cabem aqui.
As especificidades da orografia jorgense, de mau grado associadas a algumas calamidades, não tornaram fáceis as condições de vida às comunidades estabelecidas ao longo do tempo. Muito frequentemente, as tempestades e as chuvas excessivas assolaram as costas da ilha e destruíram caminhos, habitações e aparelho produtivo. As erupções vulcânicas, com explosões, lavas, fumos e emissões gasosas (1580 e 1808), os sismos (1757, 1964, 1980 e 1998) e tsunamis, além da destruição de bens, provocaram danos pessoais incalculáveis, em toda a vertente sul, desde Velas à Calheta, mas particularmente na área da Urzelina. Embora muito rara, a seca fez esquecer, momentaneamente, um clima quase sempre ameno e algumas pragas impuseram medidas imediatas às vereações camarárias. Desde o povoamento, os cães-de-fila dizimaram gados, as enxurradas invadiram explorações agrícolas e o oídio destruiu as vinhas em finais do século XIX. As crises administrativas prejudicaram os equilíbrios locais e a segurança de pessoas e bens. Algumas delas ocorreram, em finais do último quartel do século XVI, por força das clivagens e compromissos, no seio da gente do governo da terra, aumentados com a dominação filipina. No entanto, um quotidiano de relações próximas e intensas, mas também as calamidades ocasionais, incentivaram a solidariedade local e a insular, todavia, parece que, em alguns momentos, a ilha de S. Jorge atraiu gentes de outras ilhas, particularmente do Pico, sem a unanimidade dos moradores locais. A expulsão para fora do concelho jorgense da Calheta dos naturais da ilha do Pico, em 1761, deve considerar-se extraordinária. Porém, muito significativo do compromisso comunitário jorgense parece-nos o motim dos Inhames despoletado, por questões fiscais, em finais do século XVII, quando a ilha se podia considerar já um espaço cheio e atingiu tanto o povo comum como a aristocracia local, particularmente do Norte Grande e da Calheta.
Assim, podemos intuir vários níveis de manifestação de solidariedade, neste meio insular: no primeiro nível, a mais próxima e intensa, a familiar e a de freguesia, com conflitos ocasionais, despoletados pelo jogo e pela bebida em excesso, pela malvadez, pelo açambarcamento, mas também e paradoxalmente, por questões geracionais, a partir da esfera religiosa, por exemplo, por competição quanto ao culto do Espírito Santo; de imediato, a concelhia e a insular, vigilante quanto à conservação dos respectivos recursos e conflitos ocasionais por causa dos limites concelhios e da tutela administrativa velense sobre as exportações de toda a ilha; finalmente a arquipelágica, a nacional e a global, catalisada pelo marcante fenómeno emigratório, hoje muito favorecida pelos modernos meios de comunicação. No plano interinsular, o relacionamento com a ilha do Pico, muito próximo, parece-nos também o mais conflituoso. As ligações às outras ilhas impunham uma atenção sobremaneira intensa quando chegavam as novas de guerra ou de presença de corso ou piratas no mar. As clivagens sociais, com expressão na qualidade das habitações, na dimensão da posse ou da exploração da terra, na capacidade de exportação e de intervenção pública, particularmente a partir das reformas liberais, atingiram de um modo particular a ilha nos finais do século XIX e foram a primeira causa da emigração. Curiosamente, em 1871, um terço das habitações do concelho de Velas ainda era coberta de palha.
Por um lado, os recursos naturalmente limitados e a violência das crises vulcânicas e sísmicas, por outro, o ambiente agradavelmente saudável, que cedo recupera a população deste espaço insular, depois das catástrofes, em benefício consequente da emigração, tantas vezes clandestina, moldam a sociedade estabelecida e o seu imaginário. Notório, o estabelecimento de casais jorgenses no Brasil, particularmente em Florianópolis, na segunda metade do século XVIII. Nas primeiras décadas de Oitocentos, o destino passa a ser o dos Estados Unidos da América e o do Canadá e acentua-se como dissemos nos finais da centúria.
As alterações administrativas mais notórias aconteceram nos períodos imediatos à governação pombalina, à revolução liberal, à republicana, à imposição do Estado Novo e particularmente à revolução de Abril de 1974. Com Pombal, aparece na ilha a figura do Juiz de Fora (1767), com residência na vila das Velas, que assume a jurisdição dos juízes ordinários e dos órfãos, implicando, portanto, alterações nas estruturas das três câmaras da ilha, doravante limitadas às figuras dos vereadores e procuradores concelhios. As alterações, que a instalação do regime liberal (1834) impôs, provocaram alguns dramas, sobretudo individuais, todavia, no mais geral, a vida das comunidades jorgenses continuou como anteriormente. A ilha de S. Jorge, com três julgados, formava uma comarca judicial em 1820, compreendida no Distrito Administrativo de Angra em 1840. Em 1855, com a extinção do município do Topo foi também eliminado o respectivo julgado, sobrando então o de Velas e o da Calheta. Duas décadas depois, eram delimitados na ilha quatro julgados: Calheta, Santa Bárbara, Topo e Vila das Velas. Desde 1876, a comarca da ilha de S. Jorge era classificada com a categoria de 3.ª classe e depois do movimento autonómico de finais de Oitocentos integrada no Distrito da Relação dos Açores (Ponta Delgada). Em 1927, era compreendida no Distrito Judicial da Relação de Lisboa e em 1962, integrada no círculo judicial de Ponta Delgada. Depois da revolução de Abril, as reformas judiciárias de 1977/1978 designam a comarca da ilha de S. Jorge, de ingresso, pertencente ao Círculo Judicial de Ponta Delgada, e dotam o respectivo tribunal com um juiz e um delegado do procurador da República. Todavia, em 1988, era integrada no Círculo Judicial de Angra do Heroísmo, com jurisdição sobre os concelhos de Velas e Calheta e cerca de dez mil habitantes, então ou pouco mais de 8.000, em 2002. Curiosamente, nos primórdios do século XXI, a ilha contava o mesmo número de habitantes que nos finais do século XVII e bastante menos do que os 16.400 que atingira na década de cinquenta do século XX.
Com as limitações que as dificuldades financeiras sempre impuseram e os atrasos em relação às ilhas mais povoadas, em S. Jorge, o principal equipamento público tem sido instalado e mantido: as estradas e as igrejas, os portos, o matadouro, as fortificações, o hospital e os centros de saúde, as escolas, o palácio da justiça, o aeroporto (inaugurado em 23 de Abril de 1982) etc.. Para o efeito, além da acção dos governos, central e regional, muito tem contribuído a acção empenhada dos seus autarcas, cidadãos e eclesiásticos, desde os primórdios do século XVI até aos nossos dias. Entre as preocupações destes, além da conservação da saúde das gentes, a atenção à escola. A aprendizagem das letras no mundo antigo era feita geralmente junto dos clérigos, no entanto, a partir do último quartel do século XVIII, nascem os primeiros estabelecimentos públicos: Velas (1777), Topo (1793), Calheta (1805) e Urzelina (1836). Uma verdadeira rede escolar de ensino das primeiras letras atinge a totalidade da ilha na segunda metade de Oitocentos quando, localmente, também se desenvolve a imprensa periódica. Neste período, surge a primeira iniciativa de aprendizagem local das línguas, mormente a francesa e a inglesa. Todavia, antes da modernização do sistema educativo, muitos jorgenses foram obrigados a sair da ilha para frequentarem o ensino liceal, tanto na Horta como em Angra do Heroísmo. Digna de menção nesta síntese, a criação, em 1959, do Externato Cunha da Silveira, cujas instalações privadas permitiram, em 1972, implementar localmente o ensino preparatório oficial, alargado, em 1978, até ao nono ano e da Escola Profissional da Ilha de S. Jorge que habilita os jovens que a procuram para a vida activa ou para a frequência de alguns cursos do Ensino Superior desde 1996.
Tendo balançado judicialmente, entre as cidades de Angra e Ponta Delgada, sedes de distrito desde 1835, juntamente com Horta (1836), até à consagração autonómica insular, em 1976, a ilha de S. Jorge, com 7.967 eleitores inscritos em 2004, faz eleger para Assembleia Legislativa Regional quatro deputados e vê reunir o governo regional algumas vezes no seu espaço.
O desenvolvimento da ilha ao longo dos tempos demonstra um processo de integração da economia, sociedade e cultura jorgenses no conjunto do arquipélago com um elevado grau de especialização actual no fabrico do queijo de características ímpares. Asseguradas estas no tocante a este, numa civilização global, impõe-se hoje, também a conservação de outras actividades produtivas e culturais, com enraizamento histórico, e a instalação de tantas mais que valorizem o território e a paisagem jorgenses, de montanha e fajãs, de recantos e de mar, assim contribuam para um óptimo demográfico na ilha e invertam as perdas observadas desde a década de sessenta do século XX. António dos Santos Pereira
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