Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

São Roque do Pico (concelho)

Urbanismo Sem possuir uma estrutura que se possa considerar propriamente urbana (o Cais do Pico, que mais se aproxima deste conceito, constitui um núcleo histórico muito elementar, de feição proto-urbana, praticamente formado só por um arruamento litoral) ? o território do concelho de São Roque apresenta aspectos notáveis de organização do espaço agrícola e rural, verdadeira «paisagem construída», que a seguir se descrevem.

De facto, o concelho de São Roque possui uma das mais representativas «fatias» da dimensão paisagística da ilha do Pico: a vasta zona de cultura da vinha da costa norte, que abrange as áreas de Santana, Cabrito, Arcos e Lajido.

Esta zona, que consideramos como uma verdadeira unidade paisagística, constitui uma área já classificada pelo Governo Regional, no seu conjunto, e declarada Património da Humanidade pela UNESCO em 2004. Extremamente representativa da cultura agrícola que ali se desenvolveu secularmente, inclui os pequenos povoados conhecidos como «adegas», as construções a um tempo utilitárias e residenciais que preenchem esses núcleos (as «adegas» propriamente ditas, com exemplares notáveis no Cabrito), com os seus recheios (lagares, armazéns), os seus espaços sacros (com destaque para as ermidas do Cabrito e de Nossa Senhora da Pureza, esta no Lajido de Baixo), os muros de divisão dos vinhedos (que constituem um conjunto de «construção territorial» em si mesmos) e ainda vários pequenos objectos complementares da produção e da vida rural local (como os poços de maré no Lajido). Também inseridos neste conjunto, embora com uma lógica própria, podem referir-se os caminhos ou trilhos costeiros, sobre as lajes e pedras, para transporte dos produtos agrícolas, cujos sulcos ainda hoje encontramos entre o Lajido e Santa Luzia.

Associada a esta zona encontra-se uma área mais reduzida em extensão mas igualmente interessante como testemunho patrimonial agrícola: os chamados «currais de figueira», no Lajido, constituídos por muretes de pedra semi-circulares, de singular efeito na paisagem costeira da ilha. Abertos a sul, produzem um efeito plástico, escultórico e de conjunto, assinalável.

Outra unidade paisagística muito «forte», quer como estrutura quer no seu efeito visual, é a da Baía do Canas, a nascente de São Roque. Esta unidade, singularmente edificada ao longo da encosta abrupta que defronta o mar e termina na praia de calhau rolado, organiza-se ao longo de um caminho central distribuidor, incluindo calçadas e escadórios, muros e vinhas (tudo em pedra), e as pequenas adegas delas inseparáveis. Todo o conjunto é encimado pelo chamado «Convento dos Frades», um pequeno mas qualificado espaço edificado à roda de uma capela, com várias construções térreas residenciais, hoje reconvertidas como área de veraneio ? e em articulação com o espantoso escadório implantado penhasco acima, que teria servido para conduzir os frades locais ao periódico contacto com o interior da ilha.

Cabrito, Arcos e Lajido são os exemplos mais originais, consistentes e coesos das micro-povoações situadas na costa norte concelhia, também conhecidas por «adegas», porque genericamente são na sua maior parte formadas por estas instalações e respectivas construções arquitectónicas. São povoados de reduzidas dimensões, muito concentrados e densos, formados por ruas estreitas, becos e pequenos largos, e a sua função primordial foi armazenar e tratar os resultados das colheitas das vinhas, servindo de suporte à produção do vinho e seus derivados. Um ambiente festivo e as actividades de lazer, no Verão, recebem hoje os seus ocupantes, que ainda usam as instalações das adegas para produzir vinho e organizar reuniões gustativas.

O Cais do Pico, cuja rua marginal à costa constitui o elemento urbanizador de origem, e contém várias das funções principais do povoado (bancos, edifício da Guarda Fiscal, farmácia, etc.), estando algumas albergadas em vetustas edificações de raiz seis e setecentistas, espalha-se hoje por uma área bem mais vasta, integrando novos arruamentos e bairros recentes de habitação e equipamentos (câmara, bombeiros, escolas, etc.), num espaço de menor densidade e que ainda não adquiriu pleno sentido de urbanidade.

Para além deste conjunto, há que mencionar o antigo pólo industrial do Cais do Pico, desenvolvido à roda da antiga «Fábrica da Baleia» (hoje musealizada), a poente do Cais, defrontando a pequena baía; e o núcleo do antigo Convento de São Pedro de Alcântara, franciscano, a nascente do mesmo Cais, e um pouco distanciado da costa, com amplo adro servindo de largo mirante paisagístico sobre o mar e São Jorge.

Outros pequenos núcleos merecem referência, como: Santo Amaro, antigo lugar de estaleiros de construção naval para servirem a pesca local; a Prainha de Baixo, com o seu larguinho dotado de antigas casas e igreja; e ainda os povoados que constituem as sedes de freguesia, como Santo António e Santa Luzia, onde se abrem largos alongados, ao correr da estrada regional. José Manuel Fernandes

(adaptado e ampliado, a partir do texto escrito para a obra São Roque Pico / Inventário do Património Imóvel dos Açores. Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura, 1999).

 

Arquitectura Na arquitectura de São Roque coexistem edifícios de épocas muito diversas, desde, no campo da arquitectura doméstica, as habitações solarengas dos séculos XVII e XVIII às mais influenciadas pela emigração para a América de Oitocentos. Deve ainda referir-se a presença de uma arquitectura vernácula muito consistente, quer no quadro da casa rural quer no dos equipamentos e construções utilitárias de apoio à produção.

A emigração para a costa leste dos Estados Unidos no século XIX deve ser a responsável pela «casa azul de São Roque», edificação que provavelmente resultou de um projecto directamente importado daquele país nos finais da centúria, e que apresenta aspectos formais que recordam claramente as habitações correntes de Boston ou de New Bedford da mesma época. São temas como o uso da tábua de madeira aparente, pintada, na estrutura e no revestimento do volume exterior, acrescentado sobre a edificação existente, como sótão, com janelas geminadas e grande pórtico avarandado sobre a entrada. Mesmo em casas tradicionais mais modestas, edificadas em pedra, surge com alguma frequência a pequena mansarda de madeira rasgada na cobertura telhada, e que aqui se designa por «torre» ou «torrinha». Existem exemplos deste tipo em Santo António.

Em termos gerais, o século XIX marcou de facto este concelho com algumas casas, rurais ou proto-urbanas, de dimensões mais avantajadas do que as das tipologias tradicionais consagravam. Essas casas, por vezes com três pisos e com remates nos corpos superiores que por vezes incluíam sugestões semi-eruditas, classicizantes (como frontões, ou cimalhas). Essa nova escala de edificado correspondia à afirmação de uma presença social e económica do respectivo proprietário acima dos correntes valores locais ? e desde logo assumida «para que todos vissem». Pode ser este o caso da construção sita na Canada do Mar, na Prainha, datada de 1883.

Em todo o caso, a arquitectura tradicional ainda dominante no concelho, que assume maior coerência e continuidade ao longo deste território, é a das casas senhoriais rurais, e a das pequenas casas agrícolas disseminadas um pouco por toda a área concelhia.

Como exemplos de casas senhoriais, podemos mencionar: a Casa das Neves, no caminho de São Pedro, na Prainha de Baixo ? com a sua sequência de volumes em pedra basáltica, linearmente organizados e bem inseridos na paisagem agrária e costeira do local; a Casa do Ouvidor de São Roque, cuja estrutura e tipologia apresenta parentescos com outras casas dos concelhos envolventes, como o da Madalena. Apresenta de facto formas características, como os vãos com «aventais» de pedra «em bico», a planta em forma de «U», etc.); é ainda de mencionar o Solar dos Salgueiros, localizado no Lajido de Baixo, e que engloba uma série de elementos (em composição de maior simetria) que aponta a época da sua construção para o século XVIII.

As pequenas casas rurais apresentam aspectos de forma e tipo muito constantes, bem como na sua expressão construtiva e plástica ? que permitem falar de uma casa popular picoense com um carácter próprio (patente nas proporções, nos materiais). Embora este carácter edificatório se possa integrar numa tradição geral do arquipélago, ele é ainda assim distintivo em relação a outras ilhas açorianas.

Como noutros locais do Pico, a casa de feição mais antiga, com a cozinha, sem chaminé ou com chaminé rudimentar, em corpo separado dos quartos (com e sem telheiro de ligação), ainda se encontrava, muitas vezes arruinada, na Prainha de Baixo, nos anos de 1980.

Por outro lado, uma verdadeira dimensão urbana está praticamente ausente das estruturas edificadas. Apenas a rua principal do Cais do Pico assume um pouco desse carácter ou dessa dimensão, nas construções sequenciais que lhe dão forma ? datáveis em termos gerais de Seiscentos ou Setecentos, e dos séculos XIX e XX.

Quanto à arquitectura religiosa, podem destacar-se alguns exemplos com notabilidade no concelho. O mais significativo é naturalmente o do Convento de São Pedro de Alcântara, em São Roque que segue o modelo geral das casas franciscanas das ilhas açóricas, com a implantação numa área de transição para a envolvente da povoação, com a fachada da igreja de desenho elementar, e o claustro anexo, de arcaria simples. Neste caso, porém, deve salientar-se o seu «protagonismo visual», ou seja, a sua intensa relação paisagística com o oceano e a costa norte.

Ainda de mencionar são a Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, na Prainha, e a matriz de São Roque, instaladas em largos de modesta mas acertada escala, viradas ao mar, e cujas fachadas de composição arquitectónica de raiz «chã» aceita uma certa originalidade decorativa, não desprovida de fantasia.

Devem mencionar-se ainda, como peças de arquitectura da produção e abastecimento, ligada à indústria baleeira, a antiga Fábrica do Cais do Pico (hoje um dos núcleos da museologia baleeira), e, no campo da «arquitectura da água», a enorme cisterna, ou «tanque de água da baleia», na Ribeira Seca.

Em síntese, o concelho de São Roque destaca-se no conjunto açórico pelos atributos paisagísticos e rurais das suas arquitecturas tradicionais. José Manuel Fernandes

(adaptado e ampliado, a partir do texto escrito para a obra São Roque Pico / Inventário do Património Imóvel dos Açores. Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura, 1999).

 

Bibl. Gouveia, P. (s.d.), Arquitectura Baleeira nos Açores / Whaling Architecture in the Azores. [Angra do Heroísmo], Presidência do Governo Regional dos Açores. São Roque Pico / Inventário do Património Imóvel dos Açores (1999) Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura