Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Administração

IDADE MODERNA Introdução. A análise da evolução administrativa nos Açores durante a Idade Moderna implica o cotejo com o quadro político mais geral, especialmente o metropolitano. Neste particular, a tradição elege a centralização e a uniformidade por características fundamentais do exercício do poder na modernidade. Em Portugal, identificamos efectivamente manifestações de semelhante prática. Assim, sucede o reforço da jurisdição régia que, embora lento e irregular, promove a subordinação das periferias à força do centro. Neste processo, a problemática ultramarina adquire um relevante significado. Na verdade, o império reclama firmeza política e, em conjunturas muito singulares de prosperidade, confere à monarquia maior independência económica, susceptível de barrar uma multiplicidade de resistências. As investigações mais recentes contraditam, entretanto, o reconhecimento de um inequívoco processo de centralização na Época Moderna, admitindo antes a prevalência de um ambiente de partilha, equilíbrio e antagonismo entre poderes, nomeadamente os de procedência senhorial, municipal e régia. A análise dos factos ressalta o artificialismo desta antinomia, que deriva sobretudo da sucessão e do confronto das correntes historiográficas, cuja diligência de afirmação implica necessariamente a adopção de teses persuasivas. Com efeito, a construção do Estado Moderno, racional e unificado, corresponde a uma realidade tardia, que surge nos alvores do liberalismo. Deste modo, admitimos por muito tempo o prolongamento da fragmentação política da Idade Média. Nestas circunstâncias, o denominado Antigo Regime congrega estratégias de acção política muito divergentes, embora as perspectivas uniformizadoras prevaleçam sobre as particularistas, consoante a lenta e natural preponderância da mudança sobre a permanência.

Nos Açores, à luz da reflexão mais geral, importa a averiguação meticulosa da influência dos distintos poderes, na perspectiva do confronto entre propósitos de centralização e pluralidade, que constituem o principal paradigma político-administrativo do Antigo Regime. Por outro lado, a diversidade do meio insular, que implica a experimentação de um modelo de governo à distância, impõe a interrogação dos estudiosos sobre as correlações entre a reprodução e a invenção de expedientes na definição e no desenvolvimento da nova orgânica política insular. O esclarecimento desta questão ainda admite a ponderação do papel das ilhas no ensaio de um sistema de administração do além-mar, considerando a participação dos Açores na abertura e no apoio da expansão portuguesa.

A prática administrativa da modernidade. À margem dos problemas e das interrogações, a análise do exercício quotidiano do poder nas suas distintas dimensões, nomeadamente na senhorial, na municipal e na régia, constitui decerto um método seguro de identificação do sentido da administração dos Açores no decurso da modernidade.

O poder senhorial. Na primeira metade de Quatrocentos, a incapacidade da administração régia, a distância e a descontinuidade geográficas e as incertas potencialidades insulares subtraem o governo dos Açores do controlo directo da coroa. Nestas circunstâncias, a tradição portuguesa e os imperativos do povoamento definem os traços de um sistema político-administrativo assente numa assinalável cedência de direitos. Assim, ressalta a outorga em donataria das ilhas primeiramente descobertas ao infante D. Henrique que, sob o compromisso da observância de magnos deveres, obtém a fruição de importantes privilégios. Na verdade, o donatário assume os encargos do povoamento e da consequente exploração económica. Em contrapartida, a coroa, que inequivocamente preserva a jurisdição suprema, delega amplas prerrogativas de tutela nos relevantes domínios da justiça e da fiscalidade.

O afastamento do reino e as responsabilidades metropolitanas ditam invariavelmente o absentismo dos donatários, facto inadequado ao cumprimento das inadiáveis tarefas de arroteia e povoamento. Nestas circunstâncias, importa a busca de uma solução capaz de harmonizar o progresso das ilhas com a ausência dos titulares. Assim, ressalta a divisão do arquipélago em capitanias, cuja administração se confere a agentes nomeados pelo donatário. Estes oficiais recebem as capitanias ainda a título vitalício e hereditário, por linha direita masculina, e são depositários de vastos foros, delegados pelos donatários. Neste particular, destacamos o exercício de jurisdição cível e criminal, excepto os casos de morte e mutilação, que sempre se conservam em alçada régia intransmissível, e o usufruto de muitos privilégios de natureza económica, nomeadamente o exclusivo sobre moinhos, fornos de pão e estanque de sal, as rendas de terras, a redízima dos direitos reais e o dízimo do rendimento das capitanias. Todavia, o vício do absentismo também contamina os novos capitães do donatário, que ignoram os esporádicos reparos da coroa e as insistentes recriminações dos povos. Por isso, concedem frequentemente o governo das capitanias a delegados, comprometendo por vezes o progresso económico e até a sua dilatada jurisdição.

A falta de directa intervenção régia e a cedência de direitos filiam o primitivo modelo político-administrativo açoriano na experiência madeirense. No entanto, a escassez de documentação dificulta o reconhecimento da evolução da forma de governo dos Açores no decurso do século xv. Com efeito, em 1460, o testamento do infante D. Henrique certifica a condição de donatário de todas as ilhas. Contudo, só no decénio de 70, a infanta D. Beatriz empreende uma estratégia de normalização, que confere uma estrutura de uniformidade à administração açórica, cada vez mais equivalente ao sistema da Madeira. Assim, nas primeiras décadas do povoamento dos Açores, vacilamos entre a identificação do célere transplante da governação madeirense, que ainda carece de adequada consolidação, e a concomitante acção de uma multiplicidade de agentes e de expedientes, ainda em conformidade com uma prática do advento da ocupação do arquipélago da Madeira.

Na perspectiva temporal, a donataria cessa logo no termo do século xv, por via da aclamação em 1495 de D. Manuel I, na altura duque de Viseu e senhor das ilhas. Esta incorporação alarga a acção régia no governo insular, mas não altera substancialmente a orgânica administrativa. De facto, as capitanias conservam o mesmo estatuto e demonstram notável constância, resistindo a distintas vicissitudes políticas até às reformas pombalinas do 3.º quartel de Setecentos. Com efeito, após um ensaio promissor na Madeira e nos Açores, estas circunscrições sustentam os projectos portugueses de povoamento atlântico. Porém, a sucessão dos séculos sempre reduz a influência político-administrativa e a eficácia socioeconómica das preexistentes capitanias, que se convertem por vezes em instituições triviais e até obsoletas. Esta transformação enraíza decerto no absentismo de muitos capitães, que facilita as ofensivas, embora hesitantes, do poder real. Nestas circunstâncias, ressaltamos a integração de diversas capitanias no património régio, que normalmente resulta da reprimenda da oposição política e da observância mais rígida da Lei Mental. Na eventualidade da concessão de novas doações, transparece a precariedade da transmissão e até a abolição do anteposto regime senhorial, vulgarmente substituído no século xviii pela outorga de direitos inerentes às alcaidarias-mores dos castelos. Deste modo, a instituição da Capitania-Geral em 1766 equivale ao corolário da decomposição do sistema das capitanias, que se iniciara muito antes, por acção da interferência monárquica, das reclamações municipais, mas igualmente por força de alguma indiferença dos senhores.

Na era de Quatrocentos, a análise da jurisdição dos donatários motiva discrepantes interpretações sobre o modelo da administração insular. Com efeito, o reconhecimento das amplas prerrogativas destes agentes conduz diversos investigadores à identificação de um sistema feudal, que a metrópole desconhece com inequívoca genuinidade. Assim, nos alvores da Idade Moderna, de tendencial unificação do poder, a ocupação das ilhas protagonizaria um retrocesso a arquétipos políticos passadistas. Nesta perspectiva, Charles Verlinden até admite o propósito henriquino de criação de uma espécie de estado insular. No entanto, a averiguação dos factos desmente o eventual intento secessionista do infante D. Henrique. De facto, os documentos de chancela real comprovam sempre que a delegação de poderes nos donatários nunca molesta os supremos interesses da monarquia. Na verdade, o rei salvaguarda efectivamente a unidade territorial do país, através da inalienabilidade de relevantes direitos. Além da reserva da suprema alçada em matéria de justiça, interdita também a declaração de guerra e a assinatura da paz, a cunhagem de moeda e a venda da donataria a estrangeiros. Por outro lado, a individualização de marcante tendência autonomista na primitiva orgânica administrativa insular não quadra no quotidiano comportamento da nobreza, que sustenta a expansão portuguesa. Na altura, os nobres não manifestam perceptíveis intentos de emancipação, preferindo antes o cómodo amparo do rei. Nestas circunstâncias, a historiografia hodierna descrê da individualização de um sistema político insular de inequívoca especificidade, firmado na jurisdição da donataria. Ao invés, a generalidade dos testemunhos filia o modelo da primitiva administração insular no natural transplante do regime senhorial português, que conserva sinais de perseverante feudalidade e evidencia a dúbia concentração de poderes do advento da modernidade. Assim, a matriz administrativa continental enfrenta, primeiramente na Madeira e depois nos Açores, o impacte de uma nova ambiência, que no decurso do tempo implica a introdução de reajustamentos, requeridos pelos duros desafios do povoamento. Esta adaptação não subverte a estrutura administrativa de procedência continental, embora sustente o surgimento de algumas variantes, por via do marcante isolamento, que resulta da diversidade geográfica.

A jurisdição municipal. O acréscimo do povoamento e a concomitante necessidade de estruturação das comunidades determinam a constituição de municípios, naturalmente firmada na tradicional experiência portuguesa de administração local. Assim, à margem da donataria / capitanias, que representam o poder senhorial muito determinante no arranque da ocupação humana, os concelhos promovem a comedida participação das populações, porque resultante dos restritivos cânones de capacidade política do Antigo Regime.

Na Idade Moderna, os municípios cumprem uma missão de singular evidência na administração das localidades. Na verdade, as câmaras logram um estatuto de larga autonomia, que lhes outorga muitas competências nas administrações civil e militar, no governo económico e na organização social. A coroa, no perseverante intento de concentração do poder, evidencia desde finais da Idade Média indissimuláveis desígnios de maior resignação dos concelhos. Neste processo, o rei ressalta a necessidade do exercício de uma justiça competente e imparcial e manifesta propósitos de superintendência fiscal. Para o efeito, procede à nomeação de agentes, nomeadamente corregedores e juízes de fora, que representam a aproximação da tutela do centro à ínsita liberdade das periferias. No entanto, a fragilidade do sistema administrativo régio e as barreiras quase intransponíveis da geografia derrogam os pressupostos centralistas da realeza, impondo a continuidade da autonomia municipal. Aliás, em vez de uma estratégia de confronto, a coroa suscita em diversas conjunturas a colaboração camarária para o cumprimento de muitas deliberações, consolidando o primado dos concelhos no governo dos lugares.

Nos Açores, a administração municipal segue os cânones metropolitanos. No entanto, sempre individualizamos alguns procedimentos, que demandam particular averiguação. Assim, releva a interferência legítima de donatários e capitães na gestão concelhia, muito evidente na supervisão das eleições e no provimento dos ofícios. Esta intromissão do poder senhorial gera, como é óbvio, a contrariedade das câmaras, que até logram o amparo da realeza. Contudo, ressalta também o proveito do monarca, que contraria a autoridade senhorial concorrente e alarga a superintendência sobre o quotidiano administrativo das localidades. Deste modo, o calculista patrocínio régio, o alquebrado mando das capitanias e o intransigente resguardo de lícitas prerrogativas promovem a conveniente defesa da jurisdição municipal. De resto, o isolamento coloca as ilhas muito à margem da pretensa fiscalização da monarquia, favorecendo ainda mais a autonomia do poder local. Desta forma, em 1765, o Desembargo do Paço reconhece implicitamente uma comedida disparidade entre as administrações camarárias metropolitana e insular, individualizando a prevalência nos Açores de normas eleitorais antiquíssimas, que favorecem a prudente subtracção do arquipélago à tutela de Lisboa. Com efeito, na sucessão dos séculos, avulta a exiguidade dos expedientes régios de subordinação dos municípios açorianos. Na verdade, desde o século xvi, indentificamos apenas as acções, sempre ineficientes, do corregedor e do juiz de fora de Ponta Delgada, cujas nomeações quadram nos propósitos de reforma administrativa de D. Manuel I e D. João III, movidos pela necessidade de coesão imperial e por eventuais influências doutrinais externas. Além disso, descortinamos somente, desde 1625, a inspecção das eleições camarárias de Angra pela Mesa do Desembargo do Paço, na sequência da irrupção de profundas rivalidades entre o grupo da governança. De facto, os meios de efectiva actuação monárquica divergem muito dos pressupostos políticos de verídico controlo.

A notória incapacidade da coroa e a continente caducidade das capitanias convertem os municípios nas principais instituições da administração insular no período moderno. Assim, ressalta na Terceira, S. Miguel e Faial a influência das câmaras de Angra, Ponta Delgada e Horta, que dita a fruição dos direitos tradicionais e contraria o embaraço dos capitães e sobretudo a superintendência metropolitana. Nas restantes ilhas, mais isoladas e de menor relevância político-económica, ainda acresce a proeminência das câmaras, que geralmente não experimentam a solicitude dos agentes régios, destacados nos principais centros urbanos. Nestes concelhos, que até constituem a maioria, a suprema jurisdição municipal colide apenas ocasionalmente com as prerrogativas dos ouvidores dos donatários e as atribuições da incipiente orgânica militar.

Nas câmaras, os donos do poder equivalem à denominada gente da governança, ainda correspondente à nobreza local. Com efeito, diversa legislação reserva o exclusivo exercício da política a um restrito número de nobres, que perpetua o privilégio pela descendência. Deste modo, nos municípios, o poder pertence a uma oligarquia reduzida e inamovível, cuja coesão decorre da firmeza de solidariedades familiares e até de prováveis estratégias de sobrevivência, que acarretam a consanguinidade e o celibato. Nos concelhos de maior relevância, a apetência pelo desempenho dos cargos determina, entretanto, a frequente irrupção de exacerbadas disputas e eventualmente a inconstante formação de distintos partidos. Nas situações mais gravosas, esta conflituosidade move a intervenção dos tribunais da corte, mas nunca motiva o alargamento da capacidade política a corpos sociais diversos. Ao invés, nos municípios de menor preponderância, individualizamos por vezes a dificuldade de preenchimento de todos os ofícios camarários e também algum desleixo administrativo, particularmente notório na escassez de reuniões e na falta de assiduidade dos membros do pelouro. Esta situação resulta decerto do exíguo núcleo de recrutamento dos gestores concelhios e da menor valia das funções em concurso. Assim, não contradiz a predominante tendência de exercício do poder por uma solidária oligarquia, mas previne a criação de um arquétipo, eventualmente incapaz de congregar relevantes matizes da destacável diversidade insular.

As aristocracias municipais zelam pela manutenção e avigoramento das prerrogativas tradicionais, opondo sempre que necessário tenaz resistência aos intentos metropolitanos de fiscalização. Assim, sugerimos a rememoração da hostilidade da nobreza angrense aos propósitos régios da época da Restauração, que intentam a nomeação de um governador militar com dúbia capacidade de influência no foro civil. Do mesmo modo, os nobres contraditam as propostas pombalinas de incidência municipal, que obedecem a claros desígnios de centralização e uniformidade políticas. Na verdade, diversos historiadores insulares denunciam os pressupostos de tutela do poder camarário, expressos em 1766 por altura da instituição da Capitania-Geral dos Açores. Nesta perspectiva, avultam a superintendência dos juízes de fora, a inspecção eleitoral dos tribunais da corte e o esvaziamento de competências, integradas na vasta alçada do capitão-geral. Contudo, a nobreza preserva a exclusividade da participação política, obtendo neste domínio a cómoda reconfirmação dos direitos. Além disso, os indícios de insucesso do projecto pombalino derrogam certamente os intentos originais de controlo, prolongando o predomínio das aristocracias até ao advento do liberalismo oitocentista.

A acção régia. Até ao reinado de D. Manuel I, o quadro político-institucional do regime donatorial exclui o estabelecimento de um sistema administrativo na directa dependência do rei. Na altura, o inequívoco primado da monarquia assenta no resguardo da suprema competência judicial e na defesa da integridade territorial do país. No entanto, a partir de 1495, a coroa readquire manifesta participação no governo do arquipélago, lesando aparentemente o primitivo estatuto de autonomia dos poderes locais. Esta reforma decorre, como se disse, da aclamação, por morte do Príncipe Perfeito, do duque D. Manuel, na altura donatário das ilhas. Contudo, esta contingente incorporação logra adequado prolongamento no primeiro terço do século xvi, através da perceptível demarcação de uma orgânica administrativa régia, muito solícita em matérias de justiça e fiscalidade. Com efeito, no âmbito judicial, ressalta a criação da corregedoria dos Açores, competindo ao respectivo titular o exercício de uma jurisdição muito relevante, que implica a relativa aquiescência dos capitães e a diligente vigilância dos municípios. No domínio fiscal, a outorga do foral das alfândegas, a publicação do regimento dos juízes do mar, a nomeação do provedor das Armadas e a zelosa supervisão do provedor da fazenda real evidenciam também desígnios de maior controlo. Este explícito movimento da coroa constitui um esforço de alargamento às ilhas de um superior sistema administrativo, cujo empenho de institucionalização sucede em território metropolitano desde o termo da Idade Média.

Na viragem do século xv para a centúria de Quinhentos, a postura da realeza enraíza em conjunturas políticas de filiação europeia, que alcançam prudente concretização em Portugal na severidade do Príncipe Perfeito e na burocratização administrativa dos reinados de D. Manuel I e de D. João III, ditada inclusivamente pela necessária coesão do vasto império ultramarino. Todavia, a acção da monarquia procede também da crescente relevância económica e estratégica dos Açores. De facto, no campo da economia, o arquipélago mitiga as tradicionais carências frumentárias continentais e sustenta um lucrativo comércio de exportação para buliçosas praças europeias. Do mesmo modo, na vertente estratégica, as ilhas suportam a conquista do Ultramar, pois conferem maior segurança ao primado colonial dos ibéricos, enquanto movem a ambição expansionista dos nórdicos.

O inequívoco impulso da coroa não resulta em indubitável preponderância da jurisdição régia sobre os poderes instituídos, porque as capitanias preservam o primitivo estatuto de autonomia e os concelhos alargam o ordinário predomínio nas localidades. Na administração dos Açores ressalta, por conseguinte, a ingénita incapacidade monárquica, modelada pela resistência das autoridades tradicionais e por força da geografia, que determinam uma intervenção muito hesitante, dificilmente compatível com as perceptíveis apetências unificadoras da coroa e os usuais direitos dos nobres. Nestas circunstâncias, reconhecemos a emergência de um sistema administrativo marcado, em simultâneo, pelo equilíbrio e pela interpenetração de jurisdições, que inevitavelmente gera a conflituosidade e a ineficácia. Desta forma, ocorrem frequentes e acirradas quezílias que inimizam os agentes régios, os capitães, os oficiais concelhios e os representantes eclesiásticos e militares. Este ambiente de relativa anarquia espelha a dificuldade da incipiente administração primitiva em referência aos desafios do desenvolvimento económico e da singular projecção geopolítica do arquipélago. Por outro lado, releva o imediatismo das reformas régias, carentes de ponderada planificação e desprovidas de eficientes meios de acção. Assim, nas vésperas da conquista espanhola, já se impõe uma reformulação do sistema político-administrativo, que defina a competência das diversas autoridades e uniformize mais o governo das ilhas, independentemente da prevalência da coroa ou dos concorrentes.

O domínio filipino, que implica a resistência (1581-83) e a conquista (1583), origina uma conjuntura específica, naturalmente favorável à reconsideração da problemática governativa. Aliás, vários testemunhos reconhecem o assomo do poder central contra o autonomismo e a fragmentação política do passado, com evidentes consequências no porvir. Assim, o acréscimo da centralização administrativa constitui a principal novidade da acção filipina. Neste particular, muito influi o procedimento de um novo agente político, vulgarmente denominado por mestre-de-campo e governador, cujo desempenho pertence inicialmente ao capitão Juan de Urbina. Na jurisdição deste oficial, que respeita aparentemente a todo o espaço insular, ressaltamos o mando militar e ainda a efectiva superintendência de importantes sectores do governo civil, sobretudo no ramo concelhio.

No gozo de tão amplos poderes, Juan de Urbina exerce um governo absoluto, que F. Ferreira Drummond até contrapõe à clemência do marquês de Santa Cruz no tempo da conquista da Terceira. De facto, a punição e a discriminação caracterizam o relacionamento do governo filipino com os estratos sociais tradicionalmente detentores de capacidade política, definindo uma prática de carácter tirânico. Com efeito, o julgamento dos correligionários de D. António constitui prioridade da administração espanhola, que procede à aplicação de pesadas penas, nomeadamente a prisão, o sequestro de bens, o degredo e a morte. Além disso, em referência à generalidade da população, a desconfiança determina o exercício de uma estratégia de controlo social e de marginalização política. Assim, na prática governativa, intervêm exclusivamente uma elite de açorianos fiéis à causa filipina, que exerce os cargos em preito de vassalagem.

Nos Açores, a centralização e o despotismo caracterizam o estabelecimento do domínio filipino em 1583. Este procedimento possui eventual filiação na estratégia dirigista da coroa portuguesa do limiar de Quinhentos, resultante de tendências políticas europeias e sobretudo da valorização geoeconómica insular, que estimula condutas de maior controlo contra a assinalável delegação de direitos do princípio da colonização. No entanto, a concentração do poder e o respectivo exercício tirânico constituem principalmente um fenómeno conjuntural, consequente da resistência terceirense e da necessidade de conter uma hipotética rebelião após a conquista filipina. Nestas circunstâncias, entendemos a superior jurisdição do mestre-de-campo Juan de Urbina comparativamente à dos correspondentes governadores da Madeira, cuja alçada respeita apenas à administração militar. Neste caso, a obstinação dos açorianos acarreta com certeza a definição de um poder mais severo, susceptível de conversão da infidelidade em resignação.

A evolução administrativa açoriana certifica o carácter conjuntural das opções filipinas de 1583. De facto, volvido pouco tempo, a superação das sequelas da conquista, o sossego dos povos e a consolidação do poder espanhol determinam a substituição da reprimenda pela benevolência no exercício quotidiano da política. Assim, entendemos a influência do bispo e do corregedor junto do governador, que implica uma partilha de jurisdição, susceptível de amenizar o estado de excepção da época da invasão castelhana. Esta conduta, já perceptível no decurso de 1585, não significa a completa recomposição do precedente modelo de mando, porque subsiste a superioridade do mestre-de-campo e a relativa subalternização dos poderes concorrentes da Coroa, nomeadamente os municípios e as capitanias, que não logram semelhante assentimento. Contudo, vislumbramos o inequívoco desígnio da normalização administrativa, que promove o decréscimo do absolutismo do mestre-de-campo e o consequente avigoramento das autoridades tradicionais.

Na contenção do despotismo de Juan de Urbina influi também a resistência das instituições, que resguarda relevantes prerrogativas contra o assomo da intervenção régia. Todavia, o delito da rebelião constrange a ousadia dos poderes locais e reduz a transigência da Coroa. No entanto, sempre reconhecemos a contestação municipal terceirense e o desafio do capitão de S. Miguel. De facto, a pretensa responsabilização camarária pelo aquartelamento e manutenção do presídio castelhano absorve as receitas ordinárias e impõe o recurso ao lançamento de fintas, movendo o incumprimento de obrigações e a repugnância dos povos. Neste contexto, as câmaras da Terceira, que mais sentem a coabitação espanhola, contrariam esta intromissão, porque converte os oficiais concelhios em emissários do mestre-de-campo, com prejuízo da assistência às populações. Por outro lado, apesar do lento declínio do poder senhorial, a principal oposição ao mando de Juan de Urbina provém do capitão de S. Miguel, Rui Gonçalves da Câmara, que insiste na defesa e fruição dos direitos inerentes ao governo das capitanias. Além do amparo jurídico, este denominado governador e capitão goza do afecto monárquico e da capacidade económica micaelense, que lhe facultam o necessário arrojo para a disputa da suprema jurisdição do mestre-de-campo.

A acção dos sucessivos governadores filipinos evidencia o desaparecimento da conduta tirânica resultante da conquista e consequentemente o decréscimo da ampla jurisdição, só perceptível no começo do governo de Juan de Urbina. Na correspondência com os açorianos, a substituição de 4 dos 11 comandantes espanhóis na sequência de querelas com os locais demonstra o intento régio de prevenção do despotismo e de fomento da civilidade. Ao mesmo tempo, ressalta a restrição da alçada dos governadores, que perdem capacidade de influência na governança insular, cingindo a sua superintendência aos negócios castrenses, nomeadamente à direcção do contingente espanhol. No entanto, em 1601, a substituição de António Centeno, movida por constantes abusos de autoridade, implica a retirada de parte substancial do primitivo terço castelhano, permanecendo apenas uma guarnição estrangeira de 500 soldados. Este acto constitui um ponto de viragem na administração espanhola, pois corresponde à reposição da tradicional forma de mando. De facto, cessa a nomeação de mestres-de-campo com jurisdição militar geral, agora trocados por governadores do castelo, sem tutela sobre as milícias locais.

Nos Açores, a acção filipina não motiva, portanto, a reforma do sistema administrativo, porque persistem a estrutura e a jurisdição das instituições do passado. De facto, em referência à precedente orgânica política, a influência do mestre-de-campo e governador e a presença de um terço de militares espanhóis constituem um acréscimo, que gera a modificação de muitos procedimentos quotidianos, sem subversão da ordem jurídica. Além disso, as transformações efectivamente operadas nem sempre resultam em benefício da prática administrativa, pois acentuam a sobreposição das competências e o recrudescimento das querelas, muitas vezes agravadas pela postura prepotente de agentes e militares castelhanos. Do mesmo modo, a excessiva concentração das acções filipinas nas ilhas de maior relevância político-económica também certifica a falta de um programa de racional reorganização administrativa. Com efeito, os desígnios governativos de maior controlo incidem sobretudo na Terceira, também em S. Miguel e porventura no Faial, minimizando a integração das demais parcelas insulares, manifestamente incapazes da inversão de dinâmicas políticas e económicas. Na verdade, as restantes ilhas ignoram a presença de delegados permanentes do novo poder espanhol, prevalecendo aí o tradicional exercício da administração, que por vezes persiste até às reformas pombalinas de 1766.

Na época da Restauração, a adversa conjuntura militar e o reconhecimento da relevância geoeconómica dos Açores motivam D. João IV à recuperação de um modelo administrativo centralizado e militarista, que curiosamente rememora a estratégia filipina de 1583, firmada no combate da rebeldia. Com efeito, em 1642, o novo rei envia à Terceira uma expedição comandada pelo general António Saldanha, para quebrar a resistência de D. Álvaro de Viveros, governador espanhol do castelo de S. Filipe, que se opõe durante meses a apertado cerco das forças militares terceirenses. Nesta esquadra, que ancora em Angra já depois da rendição dos castelhanos em Março de 1642, viaja Manuel de Sousa Pacheco, com patente e regimento de «Governador do Castello de São Philippe e Ilhas dos Açores». Na definição das competências da nova autoridade releva a acumulação de funções militares e civis e a capacidade de intervenção nos limites dos poderes concorrentes da Coroa, que induzem o P.e Manuel Luís Maldonado à equiparação com a alçada de um vice-rei. Ao invés da natural resignação de 1583, motivada pela culpa da rebelião, o assomo centralista da Restauração ocasiona o protesto dos locais, nomeadamente da nobreza angrense, que se escuda na honorabilidade do município. Com efeito, a governança contrapõe a gloriosa resistência antifilipina do termo de Quinhentos e a esforçada expulsão dos castelhanos ao vexame da injusta submissão ao poder discricionário de um governador estranho ao arquipélago.

Nesta conjuntura, o reconhecimento do patriotismo insular e a gradual consolidação da independência portuguesa determinam a condescendência de D. João IV, que reduz a alçada do novo agente aos limites do assentimento municipal. Assim, uma decisão régia de 1643 postula a substituição de Manuel de Sousa Pacheco por um novo governador, com a exclusiva superintendência da fortaleza do Monte Brasil, agora cognominada de S. João Baptista. A efectiva troca sucede apenas em 1645, mas o recém-nomeado Miguel Pereira Borralho ostenta significativamente o título de «cappitam mor e Governador do castello São João Baptista», que o afasta da administração da cidade e, por conseguinte, do arquipélago. Ainda neste capítulo, já no decénio de 1650, a persistência da aristocracia angrense logra um triunfo ainda maior, que consiste no compromisso monárquico de embargo da futura indigitação de um governador-geral sem prévia audição dos insulanos.

Nos Açores, a reposição do governo tradicional na década de 1650 acarreta o renascimento e o acréscimo das dificuldades, que individualizam o quotidiano administrativo desde as vésperas da conquista filipina. Além disso, na perspectiva de defesa da jurisdição régia, os agentes da Coroa privilegiam as cidades de Angra e Ponta Delgada e a vila da Horta, motivando nas restantes ilhas o exercício do poder por autoridades políticas impreparadas, nomeadamente os juízes ordinários quase iletrados, os capitães-mores de rudimentar ciência militar e ainda os ouvidores, guiados pela imponderada protecção das prerrogativas dos senhores. Deste modo, da Restauração ao primado de Pombal, a tendência mais centralista da Coroa portuguesa não logra materialização nos Açores. Com efeito, a corte não demonstra particular inquietação pela ineficácia da administração insular, movida quiçá pela incerta síndrome de decadência geoeconómica do arquipélago, que F. Ferreira Drummond destaca com insistência.

Na falta de iniciativa da realeza, as autoridades locais não evidenciam propósitos de melhoria da acção política, demonstrando apenas o intento de resguardo do tradicional estatuto de autonomia prática. Nesta conjuntura, adquirem singular relevo as propostas do P.e António Cordeiro para a reorganização do governo do arquipélago, insertas na História Insulana das Ilhas a Portugal Sugeytas no Oceano Occidental, publicada em 1717.

O projecto do P.e Cordeiro emana, portanto, da cuidada averiguação do sistema político insular, que demanda urgente reforma. Por outro lado, a proposta do clérigo terceirense assume a feição de uma perspicaz previdência face à conjecturável intervenção da Coroa, decerto ditada por desígnios de sujeição. Em referência à observação da prática governativa, o cronista reconhece preocupantes indícios de ineficácia, conflituosidade e consequente anarquia, que reclamam um exercício competente, tranquilo e necessariamente rigoroso. Todavia, os predominantes pressupostos centralistas de Setecentos, que fomentam perspectivas de uniformização, inquietam o espírito do autor, que receia o desrespeito da tradição e a ignorância da natural individualidade açoriana. Nestas circunstâncias, o plano de Cordeiro para a melhoria das administrações civil e eclesiástica e para o inadiável reforço da defesa repousa em propósitos de racionalidade, mas assenta também na observância de preceitos do passado. No trato com o Reino, invoca a salvaguarda da usual autonomia. Nas ilhas, sugere uma prática de descentralização, em consonância com a ambiência de diversidade.

A conjuntura política portuguesa do século xviii contraria a peculiaridade regional, inviabilizando a proposta do P.e António Cordeiro, indubitavelmente servida por juízos de prudência e perspicácia. Com efeito, o clérigo terceirense reconhece as insuficiências do sistema administrativo tradicional, intentando a sua conveniente regeneração, e adivinha o cunho centralista dos propósitos de intervenção régia, que motivam firme oposição. Deste modo, admite a continuidade do regime das capitanias, mas aponta várias precauções contra o absentismo dos capitães e ainda susceptíveis de empenhá-los no desenvolvimento local. Relembre-se, por exemplo, a proposta de obrigatoriedade de residência nas capitanias e a regular avaliação dos exercícios de 6 em 6 anos. Da mesma forma, apesar da observância de preceitos de maior racionalidade, não propõe a criação de um governo geral, por contradizer a prática administrativa do passado e provocar a repulsa dos naturais. Porém, a invariável força das circunstâncias impede a concretização da requerida reforma, embora as propostas pombalinas de 1766 e do liberalismo oitocentista recuperem singulares reflexões do cronista açoriano.

Na 2.ª metade do século xviii, as reformas pombalinas de 1766, que instituem a Capitania-Geral dos Açores, correspondem à mais ousada interferência da Coroa na administração insular. De facto, no plano teórico, o programa político josefino dita a inequívoca preponderância da realeza, em contraposição à anteposta modalidade de repartição, equilíbrio e concorrência de distintos poderes. Na génese da proposta de reestruturação administrativa de Sebastião José de Carvalho e Melo, divisamos os propósitos políticos do «despotismo esclarecido», que amparam o reforço da centralização. Porém, as conjunturas açoriana, reinol e ultramarina manifestam incertezas e embaraços, que conferem significação e fundamento à resoluta diligência régia. No arquipélago, a anarquia e o torpor político-administrativos, que geram a conflituosidade e o nepotismo e dificultam o progresso, demandam conveniente e célere reorganização, de preferência eivada de pressupostos de racionalidade e uniformização. No Reino e no Ultramar, as adversidades económicas, muito marcadas por oscilações mercantis e coloniais, também determinam a inovação política, na perspectiva de utilitário móbil de urgente revalorização das tradicionais potencialidades de todas as parcelas portuguesas.

As reformas pombalinas de 1766 contrariam a ambiência de efectiva autonomia, que individualiza o governo dos Açores desde os alvores do povoamento. Para o efeito, avultam as supremas jurisdições dos capitães-gerais e a concomitante extinção e superintendência de vetustas instituições administrativas do passado. Neste particular, sobressai obviamente a abolição das primitivas capitanias, de extraordinária relevância na arroteia e no povoamento, mas então decrépitas e indesejáveis símbolos de insueta fragmentação política. Por outro lado, ressaltam a vigilância dos municípios, o controlo militar, a tutela da justiça e a inspecção fiscal.

A criação da Capitania-Geral dos Açores quebra um longo período de ambígua convivência entre os poderes régio, senhorial e concelhio, que remonta ao termo do século xv. De facto, o projecto pombalino de 1766 sustenta a primazia monárquica, que beneficia da supressão das capitanias e promove a intendência dos municípios. Na verdade, o capitão-geral D. Antão de *Almada exerce, pela primeira vez, uma efectiva autoridade à dimensão do arquipélago nos distintos ramos das administrações civil e militar. Aliás, cumpre-lhe o procedimento de anexação das antigas capitanias, em conformidade com o decreto de 2 de Agosto de 1766. Além disso, no âmbito camarário, o supremo desígnio da regeneração económica atribui ao novo capitão-geral um poder de intervenção e de consequente planeamento à escala insular, que prejudica o antecedente e provecto primado dos concelhos, de feição reconhecidamente particularista. No entanto, ainda no domínio municipal, o pretenso controlo do centro sobre a ínsita liberdade da periferia releva sobretudo na área institucional, onde se reconhece a mais profunda remodelação da estrutura administrativa após a criação da corregedoria dos Açores cerca de 1503. Com efeito, a nomeação de juízes de fora para todas as ilhas e a superintendência das eleições camarárias pela Mesa do Desembargo do Paço ameaçam a influência e a autonomia dos concelhos na orgânica política do arquipélago, acarretando naturalmente a resistência e a contestação das aristocracias tradicionais.

A rigorosa averiguação do cumprimento do programa do governo geral dos Açores, que perdura até à implantação do liberalismo no 1.º terço do século xix, ainda reclama o aprofundamento da investigação. Porém, sobejam os indícios de relativo inêxito da acção pombalina, cujos resultados muito divergem das intenções. Com efeito, os usuais entraves do decisivo fortalecimento do poder real nas regiões mais periféricas, que no arquipélago facilmente se reconhecem desde os alvores da era de Quinhentos, agem de novo em desfavor da jurisdição régia, apesar do prevalecente enquadramento teórico de resignação. Neste particular, avultam, uma vez mais, a insuficiência da rede administrativa da Coroa, a firme oposição social, nomeadamente das aristocracias municipais, e ainda a inexorável força da geografia, por via do isolamento e da descontinuidade. Nestas circunstâncias, em vez da premeditada regeneração, a iniciativa de Sebastião José de Carvalho e Melo nos Açores, à semelhança do sucedido no Reino, apenas contribui para o abalo da ordem mais tradicional, significando imprecisa transição para a diversa tessitura do liberalismo oitocentista. Depois, a partir de 1807, a fuga da corte para o Brasil e o perigo de invasão determinam maior arrojo nas acções do capitão-geral, então muito dependente da força dos condicionalismos.

Considerações finais. As condições do povoamento insular, que resultam da complexa conjuntura portuguesa do século xv, definem o semblante da administração mais primitiva, firmada no comando dos senhores e na emergência dos municípios. Depois, a incúria de donatários e capitães, o empenho das câmaras e as acções da realeza introduzem reajustamentos, que marcam a evolução do governo insular. Neste particular, avulta a interferência monárquica, bem perceptível em quatro eventos políticos, com nítidas implicações administrativas, nomeadamente a entronização de D. Manuel I em 1495, as implicações do domínio filipino e do movimento da Restauração e a criação da Capitania-Geral no ano de 1766. Estes acontecimentos comportam sempre tentativas de acréscimo da jurisdição régia, que entretanto nunca logram a devida consecução, em virtude da falta de expedientes de superintendência, da oposição social e do embaraço da geografia. Contudo, ainda destacamos as consequências do governo manuelino e da reforma josefina sobre os efeitos das ocorrências de 1580 e de 1640. De facto, no termo do século xv, a problemática sucessão de D. João II, que determina a preferência por D. Manuel, donatário das ilhas, altera o comportamento da Coroa, porque a transformação do senhorio em reguengo representa a substituição de um poder de representação por um exercício efectivo. Do mesmo modo, no tempo de D. José I, a instituição do Governo geral equivale ao reforço do ramo administrativo monárquico, que alcança primazia perante os poderes concorrentes mais tradicionais. Neste caso, descortinamos propósitos de concentração e uniformidade, que promovem o controlo do centro sobre a liberdade das periferias, correspondendo ao epílogo da construção do cognominado Estado moderno, paradoxalmente genitor do discrepante regime liberal. Desta forma, os acontecimentos de 1495 e de 1766 correspondem efectivamente ao advento e ao predomínio do poder do rei na governança das ilhas. De permeio, a conquista filipina e a conjura de 1640 geram conjunturas político-militares muito singulares, que sugerem o acréscimo da acção da realeza, pelo menos até à normalização do convívio social.

A análise da evolução do sistema administrativo insular ainda admite o paradigma da historiografia liberal, que identifica a centralização com a principal realização política do Antigo Regime. No entanto, os sucessivos ímpetos da realeza, muito determinados pela crescente valia geoeconómica das ilhas e por propósitos políticos de filiação europeia, não logram a inequívoca superioridade da jurisdição real. Desta forma, persiste uma prática política de autonomia e dispersão, ditada pela oposição social e por força da geografia, que fracassam a iniciativa da Coroa. Nestas circunstâncias, reconhecemos o semblante de um procedimento administrativo próximo do entendimento das mais recentes interpretações do arquétipo político do Antigo Regime, que destacam a partilha e a concorrência de distintos poderes, nomeadamente o senhorial, o concelhio e o monárquico. Nesta complexa relação de jurisdições, além do lento e irregular avigoramento do ramo régio, a sucessão do tempo ainda inverte a hierarquia da época da colonização, originando o fortalecimento dos concelhos e o declínio das capitanias, que obviamente derivam da assiduidade das governanças municipais e do absentismo dos senhores.

Na Idade Moderna, as características da administração açoriana demonstram um inequívoco enquadramento nos modelos políticos continentais. De facto, a individualização de maior diferença ocorre apenas no século xv, na ausência de intervenção directa da Coroa, que também não equivale a uma completa inovação. Depois, avultam principalmente as semelhanças, quando as ilhas assumem a feição preponderante de alongamento do Reino, divergindo até da determinação do quadro de domínio do Ultramar. Avelino de Freitas de Meneses (Dez.1997)

IDADE CONTEMPORÂNEA A formação do estado-nação, com a uniformização da lei e a centralização do poder político, foi um processo moroso e difícil, que bem se pode afirmar ter acompanhado as etapas da implantação do liberalismo em Portugal. Teve a sua fase de arranque mais visível a partir da revolução de 1820, mas não se deve esquecer que, em muitos aspectos, mergulha nas experiências iluministas da 2.ª metade do século xviii, com incidência especial no consulado pombalino.

Nos Açores, essa evolução, que remonta à própria Capitania-Geral, foi em muitos aspectos paralela à do reino, e caracterizou-se pela definitiva integração insular na organização político-administrativa do continente, abandonando-se definitivamente a inclusão das ilhas na administração ultramarina. As ilhas adjacentes passam a depender do Ministério do Reino, com as consequências inevitáveis dessa nova orgânica no campo da uniformidade legislativa e da centralização política.

Direi mesmo que tal opção foi desejada pelas elites açorianas, as quais lutaram denodadamente pela sua concretização, e essa luta foi acompanhada por uma outra linha de força que se consubstanciava no desejo de acabar com a unidade política interna do arquipélago, afastando assim a experiência pombalina de uma capitania-geral.

Pode-se afirmar que a principal motivação das revoluções insulares de Ponta Delgada e da Horta, em 1821, de adesão ao ideário da revolução nacional do ano anterior, foi precisamente a da concretização desse desiderato, o que aliás explica o seu êxito, ao contrário do que aconteceu em Angra, onde a revolução imposta por dirigentes exteriores acabou por fracassar.

Assim, a primeira etapa das novas formas político-administrativas vai-se discutir precisamente nas Cortes constituintes de 1821, através de deputados eleitos em Ponta Delgada, Horta e Angra, os quais assumem a função, inédita entre nós, de legítimos representantes e delegados dos seus eleitores. A discussão em Cortes, como era de esperar, teve as diferenças características do próprio ambiente sociopolítico dos três centros açorianos (Ponta Delgada, Angra e Horta) e não foi pacífica. Nem a Assembleia Constituinte parecia muito convencida em aceitar as pretensões de fragmentação político-administrativa do arquipélago, nem essa matéria era, ela própria, pacífica entre os açorianos. Não só não concordavam com ela os representantes eleitos em Angra, que defendiam a sobrevivência de uma experiência do tipo de administração ultramarina, como uma facção de liberais não representada nos deputados eleitos em Ponta Delgada e Horta, também, por sua vez, defendia a manutenção da unidade política das ilhas, ainda que organizada dentro do espírito e da forma da nova Constituição. A voz desse grupo fez-se ouvir através da Corografia Açorica, dada à estampa por João Soares de Albergaria e Sousa

Acabou por sair vitoriosa nas Cortes a tendência da divisão do arquipélago em três zonas político-administrativas, tendo-lhe a carta de lei de 22 de Fevereiro de 1822 dado forma, invocando «a situação geográfica e as presentes circunstâncias». Extinguia a Capitania-Geral, mas também os governos interinos saídos das revoluções locais, dividindo os Açores em três comarcas (Ponta Delgada, com as ilhas de S. Miguel e Santa Maria; Angra, com Terceira, Graciosa e S. Jorge; Horta, com Faial, Pico, Flores e Corvo), precisando que eram «independentes entre si e imediatamente sujeitas ao governo de Portugal, do mesmo modo que as comarcas deste reino». Mantinha-se, contudo, a unidade eclesiástica, mas quebrava-se a unidade militar, criando-se a figura do comandante militar em cada comarca.

A nova orgânica estava, porém, longe de satisfazer os liberais que a haviam desencadeado e levantou protestos, pois o que pretendiam era a criação de uma Junta eleita pelo clero, nobreza e povo, que garantisse a autonomia municipal. Dito de outra maneira, pretendiam uma descentralização política que não entregasse nas mãos dos agentes centrais todo o poder político-administrativo, como a nova lei fazia, ao entregá-lo nas mãos do corregedor livremente nomeado pelo governo.

Abria-se, assim, uma longa e feroz luta entre duas opções, a centralização e a descentralização administrativa, que iria atravessar todo o período contemporâneo e que, não obstante as oscilações, acabou por ser marcado essencialmente pela centralização.

A Vila-Francada, em 1823, veio pôr termo a esta solução, que não chegou praticamente a vigorar, mas a carta de lei de 18 de Agosto de 1823, que repunha a Capitania-Geral, com a capital em Angra, e consequentemente unificava o poder político, administrativo e militar na figura de um agente régio, o capitão-geral, não deixava de reconhecer a necessidade da manutenção das três comarcas e, por isso, institucionalizava agora a da Horta (com as ilhas do Faial, Pico, Flores e Corvo), adicionando-a assim à velha comarca dos Açores estabelecida em Angra, no século xvi, e à de Ponta Delgada, criada em 1766. Além disso, ordenava-se ao governo político (o capitão-geral) que residisse 6 meses na Terceira e outro tanto em S. Miguel.

Era uma solução reformista, que pretendia dar resposta a muitas queixas de inoperacionalidade do sistema da Capitania-Geral pombalina, que não eram apanágio dos liberais, mas que estes haviam habilidosamente aproveitado como bandeira da sua acção revolucionária.

A nova Capitania-Geral iria durar até 1832 e teria, evidentemente, uma vida atribulada, característica, aliás, desse período agitadíssimo da guerra sem quartel entre absolutistas e liberais, mas resistiria a tudo, até mesmo à Carta Constitucional de 1826, que a mantinha. Em 1828, com a revolução liberal de 22 de Junho em Angra, que aclamou D. Maria II, o arquipélago dividiu-se em dois blocos políticos; a Terceira, dirigida por um governo interino e as restantes ilhas, pelo capitão-geral miguelista. A nomeação, a 5 de Abril de 1829, por D. Pedro, do conde de Vila-Flor, capitão-geral dos Açores, cria nas ilhas dois capitães-gerais, um liberal na Terceira, outro miguelista nas restantes ilhas.

Durante o período agitado da preparação das forças expedicionárias liberais, os Açores conheceram o governo da regência de Palmela (nomeada a 15 de Junho de 1829, mas desembarcada em Angra em Janeiro de 1830), concomitantemente com a administração do capitão-geral miguelista, Sousa Prego, residente em S. Miguel. As ilhas foram sendo reduzidas à obediência da regência pela conquista de Vila-Flor, durante o ano de 1831, que assim preparou a vinda de D. Pedro, o qual, chegando a Angra a 3 de Março de 1832, assumiu a regência em nome de D. Maria II e proclamou a cidade capital do reino.

Mas bem se pode afirmar que esses foram tempos de excepção, e que para os nossos propósitos o que mais interessa é analisar a reforma administrativa de Mouzinho da Silveira, em 1832. Este, durante a sua estada como governante nos Açores, dedicou-se a uma enorme actividade legislativa, convencido que estava de que a vitória do liberalismo dependia mais das leis do que das guerras. Pretendia fazer nascer um novo Portugal e uma nova administração, que se imporia por si própria ao desmantelar os princípios da monarquia absoluta. Atacava a inexistência da divisão dos poderes, o que em termos de administração pública levava a que, na prática, existisse jurisdição mas não administração.

Nos Açores, a nova administração procurava distinguir o poder político-administrativo do judicial e do militar, que as leis absolutistas faziam concentrar na figura do delegado do rei, o capitão-geral.

Na sequência do célebre decreto de 16 de Maio de 1832, que é considerado como o primeiro Código Administrativo, os Açores foram, pelo decreto de 24 de Junho desse ano, elevados à categoria de Província do Reino de Portugal, cuja capital era a cidade de Angra. Eram governados por um prefeito, assistido por um conselho de prefeitura e um secretário-geral. Em Ponta Delgada e Horta criavam-se subprefeitos e, nos concelhos então existentes, 22 provedores. As freguesias não tinham existência legal. Só então a capitania-geral foi formalmente extinta.

Este decreto reabria nas ilhas a velha questão da manutenção da unidade político-administrativa interna e da centralização, além de trazer à colação a pouca abertura do governo para satisfazer as reivindicações de Ponta Delgada e da Horta. A polémica era agravada com a nomeação do primeiro prefeito, Costa Refoios, um centralista, que via os seus poderes reforçados, nomeadamente no campo militar, pelo decreto de excepção de 5 de Dezembro de 1832. As decisões políticas e a actuação do prefeito nomeado levaram a uma autêntica revolta da subprefeitura de Ponta Delgada. A situação criada de facto e as pressões junto do regente acabariam por levar à reformulação, pelo decreto de 28 de Junho de 1833 (que organizava a divisão administrativa do Reino de Portugal e Algarve), da orgânica político-administrativa dos Açores. O arquipélago dividia-se agora em duas províncias, a oriental, com capital em Ponta Delgada e composta por S. Miguel e Santa Maria, e a ocidental, com capital em Angra e formada pelas restantes ilhas. Além disso, resolvia-se a situação do Tribunal da Relação, que ficava provisoriamente instalado em Ponta Delgada e que Costa Refoios pretendera transferir para Angra, transformando-se o arquipélago num Distrito Judicial, com sede em Ponta Delgada, enquanto o Bispado e a nova Divisão Militar, ambos com poder sobre todas as ilhas, tinham a sua sede em Angra.

Tudo isto constituía um recuo nas primitivas opções político-administrativas do liberalismo triunfante, o que pode ser interpretado como cedência às pressões exercidas pelas elites locais junto do regente e também como um aliviar das tensões na periferia e na retaguarda, permitido pela vitória no reino. Ficavam por satisfazer, evidentemente, as pretensões dos hortenses, mas estes tinham perdido poder reivindicativo e o governo julgou suficiente satisfazê-los, elevando a cidade a vila da Horta, por alvará de 4 de Julho de 1833.

Assim se manteve a administração pública nos Açores até ao decreto de 18 de Junho de 1835, quando o governo, já com autorização das Cortes, alterou o regime administrativo das prefeituras, criando os Distritos Administrativos, com governadores civis e as Juntas Gerais funcionando junto destes. Mantinham-se, porém, os Açores divididos em dois distritos equivalentes às prefeituras, pois só pela carta de lei de 28 de Março de 1836 se havia de criar o Distrito da Horta, formado pelas ilhas do Faial, Pico, Flores e Corvo. Fixava-se, desta maneira, a organização político-administrativa do arquipélago em três entidades separadas umas das outras, com vida autónoma e ligadas directamente ao governo central. Este modelo ia de tal maneira de encontro aos desejos e aspirações locais, que perduraria por mais de um século, sobrevivendo a todas as alterações políticas nacionais e locais até 1975, quando, na sequência da revolução de 25 de Abril, se criou a Junta Governativa dos Açores.

A história da administração distrital açoriana é a história dos Códigos Administrativos portugueses com as suas tendências centralizadoras ou descentralizadoras, conforme a filosofia política que os enformava. A organização interna de cada um dos distritos, com a divisão em concelhos e freguesias (estas integradas na administração a partir do código de 1836), cujas regras de criação ou extensão eram as gerais, obedecia aos códigos. Mas deve-se registar que não há alterações de monta em nenhum dos distritos insulares antes da reforma do final do século, que ficou conhecida por autonomia.

Porém, a divisão dos poderes e a especialização administrativa levavam a que também os Açores acompanhassem a evolução dos vários ramos da administração portuguesa e, consequentemente, foram incluídos nas diversas reformas da administração judicial, militar e religiosa, ao longo dos séculos xix e xx.

A partir de 1890, a crise nacional, crise profunda, social, política e económica, terá reflexos importantíssimos nos Açores e na sua administração. Uma onda de contestação às directrizes nacionais e à política dos sucessivos ministérios, partidários e extrapartidários, começada no distrito de Ponta Delgada, mas em breve alastrada a todas as ilhas, propagandeava a ideia da livre administração dos Açores pelos açorianos. As ideias sobre o que devia ser, na prática, a autonomia para os distritos insulares eram muito variadas, mas acabaram por conduzir a uma plataforma de entendimento entre os propagandeadores açorianos e o governo, a qual se exprimiu no decreto de 2 de Março de 1895, que permitia, mantendo-se a divisão distrital, que aqueles que o solicitassem através de dois terços dos cidadãos elegíveis para cargos administrativos teriam direito a uma administração especial e autónoma. Esta consubstanciava-se numa Junta Geral de 25 membros eleitos directamente nos concelhos e com autonomia administrativa que se exercia sobre os interesses peculiares do distrito, dispondo de receitas próprias, tutelando os municípios do respectivo distrito e sendo, por sua vez, tutelada pelo governo, através de um governador civil.

O sistema instituído por este decreto era afinal de mera excepção ao Código Administrativo nacional, que não deixava, aliás, de se estender às ilhas naquelas matérias que não tivessem sido excepcionadas pela lei especial.

A nova orgânica, logo em 1896, foi aplicada ao distrito de Ponta Delgada e, em 1898, ao de Angra do Heroísmo, mas não se aplicou ao da Horta, que invocava impossibilidade financeira para usufruir da mercê.

O decreto de 2 de Março de 1895 foi modificado pela carta de lei de 12 de Junho de 1901 que, mantendo o essencial da sua filosofia político-administrativa, alterava a composição da Junta Geral, passando esta a 15 procuradores, e aumentava os poderes tutelares do governador civil. Aplicava ainda o regime ao arquipélago da Madeira.

A mudança de regime, em 1910, não trouxe alterações significativas na estrutura administrativa dos distritos insulares, que continuaram a usufruir da excepção ao Código e a aplicar as leis de 1895 e de 1901. A lei n.º 88, de 7 de Agosto de 1913, que consubstanciava o código administrativo que a República se mostrava incapaz de elaborar, mantinha a situação existente nos Açores. Continuavam estes divididos em três distritos, os distritos em concelhos e estes em freguesias. Dois dos distritos, o de Ponta Delgada e o de Angra do Heroísmo, beneficiavam das leis excepcionais em vigor e o da Horta administrava-se pela lei geral. A República era incapaz de incrementar, na prática, a sua filosofia descentralizadora e até federalista. Nas ilhas, o que mudara era o pessoal político, porque agora estavam alcandorados aos cargos administrativos e políticos, os republicanos, muitas vezes nomeados para comissões administrativas, como já acontecera nos tempos da monarquia.

A partir dos anos 20, de novo em clima de crise provocada pelo final da guerra, reabria-se a discussão e a agitação à volta do conceito de autonomia e fervilhavam as ideias para uma nova política administrativa insular, mas os efeitos práticos desse segundo movimento autonomista não se concretizaram. Só em 1928, já na ditadura militar, pelo decreto de 16 de Fevereiro desse ano, é que se legisla no sentido de se aumentar as capacidades financeiras das Juntas Gerais, tendo-se então substituído formalmente o velho decreto de 2 de Março de 1895. Contudo, os princípios político-administrativos mantêm-se. As ilhas continuavam divididas em distritos, estes em concelhos e freguesias. Dois distritos, o oriental e o central, tinham administração especial através das Juntas Gerais e o ocidental continuava inserido no Código nacional.

O decreto de 31 de Julho de 1928, ao transferir para as Juntas Gerais mais encargos e mais serviços, sem lhes aumentar as receitas, veio desmoronar os benefícios da legislação anterior.

É a partir de 1936, na sequência da afirmação e montagem das estruturas do Estado Novo e da aprovação nesse ano do novo Código Administrativo, que se reabre a discussão sobre a administração das ilhas adjacentes. A própria Constituição de 1933 já havia anunciado que as ilhas teriam administração especial e por isso foi aprovada, em 1938, a lei n.º 1967 de 30 de Abril, que anunciava as bases do que viria a ser o Estatuto dos Distritos Autónomos Insulares. Essas bases mantinham as ilhas divididas em distritos e, nos Açores, esses distritos em concelhos e em freguesias. Os distritos passavam a designar-se distritos autónomos, sendo só agora a nova legislação aplicada ao da Horta. As Juntas Gerais mantinham-se como os seus órgãos administrativos, mas eram agora compostas por 7 procuradores, sendo 4 eleitos e 3 natos. Os eleitos, por sua vez, eram-no indirectamente pelas câmaras municipais e pelos organismos corporativos. Assim, as Juntas Gerais inseriam-se no edifício corporativo do Estado Novo e continuavam a ser fortemente tuteladas pelos governadores civis, como representantes do governo.

O estatuto dos Distritos Autónomos da Ilhas Adjacentes, aprovado em 31 de Dezembro de 1940, desenvolveu as bases desta lei e codificou pormenorizadamente a nova administração, a qual se irá manter até à revolução de 25 de Abril de 1974, sem alterações de fundo, mesmo considerando aquelas mais significativas de 1947.

Na sequência da revolução de 25 de Abril de 1974 e das suas repercussões no arquipélago, em Agosto de 1975, uma Junta Regional dos Açores, presidida pelo governador militar, formada por 6 vogais especialistas em vários campos administrativos e directamente ligada ao primeiro-ministro, veio substituir os três Distritos Autónomos. Esta forma provisória de governo político-administrativo assegurou a transição para a instalação dos órgãos de governo próprios da Região Autónoma dos Açores, que entretanto tinha o seu nascimento legal na Constituição de 1976. A nova constituição transformava os arquipélagos dos Açores e da Madeira em Regiões Autónomas da República Portuguesa e institucionalizava, como órgão de governo dessas novas entidades, uma Assembleia Regional, eleita por sufrágio directo e universal e por um Governo Regional, politicamente responsável perante ela. A soberania da República passava a estar especialmente representada por um ministro da República, que nomeia o presidente do Governo tendo em conta os resultados das eleições.

Ensaiava-se assim, pela primeira vez, um governo democrático como expressão de uma nova etapa na autonomia, agora não só administrativa, como no século xix, mas também política, cuja expressão é um parlamento local, com poder legislativo próprio.

A Assembleia Regional, reunida pela primeira vez na cidade da Horta, a 27 de Julho de 1976, define a configuração dos novos órgãos de governo e, tendo em conta a tradição histórica, não avança para uma centralização política.

O Governo Regional passa a ter a sua sede na cidade de Ponta Delgada, mas as Secretarias Regionais dividem-se proporcionalmente pelos três centros administrativos tradicionais (Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta). O parlamento fixa a sua sede na cidade da Horta, mas a Região Autónoma dos Açores não possui uma capital. As ilhas continuam a dividir-se administrativamente em concelhos e estes em freguesias (existentes ou criadas pela Assembleia Regional), mas a autonomia política e administrativa da Região não prejudica as prerrogativas e a autonomia do poder municipal, que se rege pela lei geral da República.

A ideia de dar conteúdo legal a uma unidade administrativa de ilha, ainda que inserida no estatuto político-administrativo da região, entretanto aprovado, não teve seguimento e não vingou, certamente por não encontrar qualquer suporte consistente ou mesmo real necessidade. J. G. Reis Leite (Dez.1997)

Bibl. Os Açores e o Atlântico (séculos XIV-XVII) (1984), Actas do Colóquio Internacional, Angra do Heroísmo, 8-13 Agosto 1983. Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira. Os Açores e as Dinâmicas do Atlântico do Descobrimento à II Guerra Mundial (1989). Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira. Arquivo dos Açores (1980-84) 2.ª ed., Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 15 vols. Arruda, M. M. V. (1977), Colecção de documentos relativos ao descobrimento e povoamento dos Açore 2.ª ed., Ponta Delgada, Instituto Cultural. Caetano, M. (1994), A codificação administrativa em Portugal (um século de experiência: 1836-1935), In Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, Coimbra: 371-448. Carreiro, J. B. (1994), A Autonomia dos Distritos das Ilhas Adjacentes. 2.ª ed., Ponta Delgada, Jornal de Cultura. Chagas, D. (1989), Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores. S.l., Secretaria Regional da Educação e Cultura / Universidade dos Açores. Collecção de Decretos e Regulamentos Publicados durante o Governo da Regência do reino estabelecida na Terceira. De 2 de Junho de 1830 a 27 de Fevereiro de 1832 (1834). Lisboa, Imp. Nacional. Collecção de Decretos e Regulamentos mandados publicar por S. Magestade Imperial o regente do Reino desde que assumiu a regência até à sua entrada em Lisboa (1834) Lisboa, Imp. Nacional. Collecção de Decretos e Regulamentos mandados publicar por S. Magestade Imperial o regente do Reino desde a sua entrada em Lisboa até a instalação das Câmaras Legislativas (1840). Lisboa, Imp. Nacional. Constituição da República Portuguesa (1976). Lisboa, Assembleia da República. Cordeiro, A. (1981), História Insulana das Ilhas a Portugal Sugeytas no Oceanno Occidental. Reimpr. da ed. de 1717, s.l., Secretaria Regional de Educação e Cultura. Correia, A. J. (1920), História Documental da Revolução de 1821 na ilha de San Miguel para a separação do governo da capitania geral da Ilha Terceira. Revista Micaelense, 2: 705 e segs. Drummond, F. F. (1981), Anais da Ilha Terceira. 2.ª ed., Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura. Enes, M. F. D. T. (1994), O Liberalismo nos Açores. Religião e Política (1800-1832). Lisboa, Universidade Nova (policopiado). Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. Lei 39/80 de 5 de Agosto (1981). Horta, Assembleia Regional dos Açores. O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos XV a XIX (1995), Actas do Colóquio, Faial / Pico, 10-13 Maio 1993. Horta, Núcleo Cultural. Frutuoso, G. (1977-87), Saudades da Terra. Ponta Delgada, Instituto Cultural, 6 livros. Leite, J. G. R. (1983), Para uma leitura da Corografia Açorica de João Soares de Albergaria de Sousa. Arquipélago, n.º especial: 279-317. Id. (ed.) (1987), A Autonomia dos Açores na Legislação Portuguesa, 1892-1947. Horta, Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Id. (ed.) (1988), O Códice 529 - Açores do Arquivo Histórico Ultramarino: a Capitania-Geral dos Açores durante o Consulado Pombalino. S.l., Secretaria Regional de Educação e Cultura / Universidade dos Açores. Id. (1995), Política e Administração nos Açores de 1890 a 1910. O Primeiro Movimento Autonomista. Ponta Delgada, Jornal de Cultura, 2 vols. Lima, M. (1940), Anais do Município da Horta. História da Ilha do Faial. Famalicão, Minerva. Macedo, A. L. S. (1980), História das Quatro Ilhas que formam o Distrito da Horta. 2.ª ed., Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura, II. Maia, F. A. M. F. (1988a), Capitães Donatários (1439-1766). 4.ª ed., Ponta Delgada, Instituto Cultural. Id. (1988b), Capitães-Generais (1766-1831). 2.ª ed., Ponta Delgada, Instituto Cultural. Id. (1994), Novas páginas da História Micaelense (Subsídios para a História de S. Miguel), 1832-1895. 2.ª ed., Ponta Delgada, Jornal de Cultura. Maldonado, M. L. (1889-90), Fenix Angrence. Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira, 2 vols. Meneses, A. F. (1987), Os Açores e o Domínio Filipino. Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira, 2 vols. Id. (1993-95), Os Açores nas encruzilhadas de Setecentos (1740-1770). Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 2 vols. Id. (1995), A Administração dos Açores e as raízes da autonomia, In Actas do Congresso - A Autonomia no Plano Histórico. I.º Centenário da Autonomia dos Açores. Ponta Delgada, Jornal de Cultura. Id. (1997), A Administração filipina nos Açores: mudança, permanência e circunstância, In Ventura, M. G. M. (ed.), A União Ibérica e o Mundo Atlântico. Lisboa, Ed. Colibri. Mont?Alverne, A. (1960-62), Crónicas da Província de S. João Evangelista das Ilhas dos Açores. Ponta Delgada, Instituto Cultural, 3 vols. Para uma Autonomia dos Açores (1979). Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura. Rodrigues, J. D. (1994), Poder municipal e oligarquias urbanas. Ponta Delgada no século XVII. Ponta Delgada, Instituto Cultural. Saldanha, A. V. (1992), As Capitanias. O Regime Senhorial na Expansão Ultramarina Portuguesa. Funchal, Centro de Estudos de História do Atlântico. Sampaio, A. S.(1904), Memória sobre a Ilha Terceira. Angra do Heroísmo, Imp. Municipal: 333 e segs. Santos, J. M. (1989), Os Açores nos Séculos XV e XVI. Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura, 2 vols. Sousa, J. S. A (1995), Corografia Açorica. Descrição Física, Política e Histórica dos Açores. 3.ª ed., Ponta Delgada, Jornal de Cultura. Valadão, F. L. (1964), Dois capitães Generais e a 1.ª Revolução Constitucional da Ilha Terceira. Lisboa, Ed. Panorama. Verlinden, C. (1960), Formes féodales et domaniales de la colonization portugaise dans la zone atlantique aux XIVe et XVe siècles et spécialement sous Henri le Navigateur. Revista Portuguesa de História, Coimbra, 9. Id. (1969), Henri le navigateur songe-a-t-il a créer un état insulaire?. Ibid., 12.