A Festa da Lenha - Impérios do Espírito Santo (Sete Cidades, Ilha de São Miguel) é um evento festivo que ocorre em cada um dos três Impérios do Espírito Santo, respetivamente Império da Santíssima Trindade, Império de São João e Império de São Pedro. Este ritual festivo popular realiza-se exclusivamente* na comunidades de Sete Cidades.
*Não há registos, até agora, conhecidos dessa festa noutra localidade da ilha de São Miguel.
A preparação da Festa da Lenha
Nas Sete Cidades, desde o seu povoamento no século XVIII, celebram-se três Impérios do Espírito Santo, respetivamente o Império da Santíssima Trindade, o Império de São João e o Império de São Pedro. Os primeiros dois, são comummente reconhecidos como os Impérios dos adultos, enquanto, o último, por Império das crianças, tendo deste modo, dimensões e formas festivas distintas, embora a todos eles seja comum a Festa da Lenha.
Todos os Impérios celebram o dia da Festa da Lenha com muito trabalho, muito entusiasmo, dedicação e alegria. Os Impérios são a festa por excelência. Por Impérios entende-se as conhecidas as Festas do Espírito Santo. Cada império tem uma duração semanal, onde se realizam um conjunto de cerimónias e festejos em casa do Mordomo, o indivíduo responsável pelo respetivo Império do Espírito Santo.
A preparação da Festa da Lenha é assegurada pelos Mordomos do Império do Espírito Santo, com a colaboração dos seus sócios, familiares e amigos mais próximos. Por sócios entendem-se as pessoas escolhidas pelos Mordomos para os ajudarem na organização do Império do Espírito Santo. Estes colaboradores são a maior parte das vezes familiares ou amigos mais próximos. A Festa da Lenha realiza-se normalmente num sábado dos meses que antecedem e procedem a Páscoa, não se realizando durante a quaresma. É uma festa sem datas fixas que muda anualmente consoante a celebração da Páscoa, podendo ocorrer em fevereiro, março, abril ou maio, os meses que antecedem a realização dos Impérios do Espírito Santo.
Em Sete Cidades, tradicionalmente, o Mordomo de cada Império constrói o seu caramanchão – estrutura edificada em madeira e decorada com ramos e adornos em papel – onde são disponibilizadas as refeições comunitárias a todos os presentes, não só no dia da Festa da Lenha, como durante o período em que decorre o Império do Espírito Santo. Cada Mordomo com a ajuda dos seus familiares e amigos, algum tempo antes da Ida à Lenha, começa a construir o seu caramanchão, normalmente implantado e construído junto à moradia do Mordomo do respetivo Império.
Para ir à Lenha é necessário ter o caramanchão construído, pois vai ser ai o local de encontro da comunidade participante neste evento.
Para além do caramanchão, outra questão de substancial importância é a escolha do (a) cozinheiro (a) para confecionar as refeições servidas nas festividades do Espírito Santo, pois torna-se crucial ter uma pessoa capaz e responsável por tal tarefa. Depois da escolha convida-se o cozinheiro ou cozinheira.
Elaborado o caramanchão e delegado o (a) cozinheiro (a), os Mordomos, os seus sócios e o cozinheiro (a) procedem ao levamento e compra de todos os bens alimentares e outros necessários para a realização da Festa da Lenha. Uma ou duas semanas antes desta festa, os Mordomos do Império do Espírito Santo realizam um convite presencial, casa a casa junto dos habitantes desta comunidade. Além disso, também convidam certas pessoas das localidades vizinhas, familiares ou amigos.
Aproximada então a data da Festa da Lenha, em casa dos Mordomos decora-se o caramanchão com rama e adornos em papel alusivos ao Espírito Santo e confecionam-se doces que serão degustados no tão esperado dia da Festa.
A Festa da Lenha
Durante a Festa da Lenha, evento que envolve a participação ativa de quase toda a comunidade, recolhe-se toda a lenha a ser utilizada na realização do Império. É necessário apanhar, cortar e rachar muita quantidade de lenha para ser utilizada na preparação e confeção das várias refeições comunitárias que se vão realizar, bem como para o aquecimento da água utilizada na lavagem da loiça usada ao longo dos vários dias da mordomia.
Desde sempre, esta festa ocorre num sábado. Logo de manhã reúnem-se em casa do mordomo familiares e amigos, bem como grande parte da comunidade desta freguesia, para se começarem assim os preparativos para realizar a "ida à lenha", que decorre normalmente numa zona de mato localizada na bacia hidrográfica de Sete Cidades, local este que é previamente pensado pelo respetivo mordomo para proceder à apanha e corte da lenha. Neste dia, os homens e os rapazes (filhos, netos, sobrinhos, afilhados, etc.) vão para o mato apanhar, cortar, rachar e carregar a lenha, enquanto as mulheres e as raparigas (filhas, netas, sobrinhas, afilhadas, etc.) ficam em casa do mordomo a preparar o caramanchão e o almoço que é servido a todas as pessoas que participam nesta festa, verificando-se uma distinção de funções desempenhadas entre o género masculino e o género feminino. Para além disso, enquanto os homens trabalham nas tarefas da apanha, corte e carregamento da lenha, os filhos mais novos (rapazes), brincam e oferecem comes e bebes aos “mais velhos” que se encontram a trabalhar. Pela hora de almoço, altura em que já terminaram a apanha da lenha, os homens passam pela casa do mordomo e percorrem toda a freguesia num cortejo, com as suas viaturas carregadas de lenha para mostrar a toda a comunidade a lenha recolhida para a realização do Império do Espírito Santo. Findado este ritual, voltam à casa do mordomo onde descarregam toda a lenha angariada, sucedendo-se depois o almoço com todas as pessoas envolvidas neste dia de Festa da Lenha. Na maioria das vezes, são os homens e os rapazes que almoçam em primeiro lugar, sendo servidos pelas mulheres e raparigas, que só depois destes almoçarem é que almoçam. Depois de todos comerem, as mulheres e as raparigas lavam a loiça e arrumam o caramanchão, enquanto os homens e rapazes, procedem a arrematações de oferendas feitas ao Espírito Santo, visando a angariação de fundos monetários a utilizar no Império. Deste modo, importa salientar, que a Festa da Lenha inclui vários rituais de socialização, entre os quais se destacam o corte coletivo e a recolha da lenha, o cortejo, a refeição comunitária, as oferendas, as arrematações destas oferendas, o fogo-de-artifício, entre outros. Muitas das vezes, as arrematações prolongam-se até à hora do jantar, procedendo-se após o seu término à disposição do jantar para toda a comunidade presente. A Festa da Lenha que ocorre de forma singular em cada um dos três Impérios do Espírito Santo, realiza-se antes das semanas dos Impérios. Quando acontece não se realizar um dos três Impérios, então a respetiva Festa da Lenha também não se realiza.
Historial:
A Festa da Lenha, evento exclusivo da comunidade de Sete Cidades, integrada nas Festas do Espírito Santo, segundo a tradição oral, e tendo por base pesquisas e recolhas de campo efetuadas, é referido pelos habitantes como remontando a tempos imemoriáveis. Dizem os mais velhos que sempre se lembram da realização destes festejos no âmbito dos três Impérios do Espírito Santo celebrados neste povoado rural: Império da Trindade, Império de S. João e Império de S. Pedro.
Consideramos provável esta festa estar ligada a uma das antigas atividades dos habitantes desta comunidade, o fabrico de carvão vegetal, resultante do aproveitamento da lenha dos matos. Esta atividade constituía, a par das lavadeiras, um importante recurso económico daquele povoado. Nestes trabalhos participavam homens e mulheres, sendo, no entanto, uma atividade maioritariamente masculina, tal como acontece na festa da lenha. Para o fabrico do carvão, os carvoeiros cortavam a lenha nas encostas que circundavam as lagoas. Durante muitos anos, a atividade dos carvoeiros foi um importante recurso de subsistência destas gentes que iam vender o carvão a pé e de burro a Ponta Delgada, onde este era vendido para ser utilizado no uso doméstico. A festa da lenha poderá ter raízes nesta atividade.