Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Património Cultural Imaterial dos Açores Sinalização



Identificação da Manifestação

Designação: Construção de Muros de Pedra Vulcânica - Ilha de São Miguel
Outras Designações:

Tapumes de pedra, muros de pedra seca, muros de abrigo, muro pregado, muro de pedra e cal e muro guarnecido

Domínio: Conhecimentos e práticas relacionados com a natureza e o universo
Competências no âmbito de processos e técnicas tradicionais
Categoria: Arquitetura e construção

Contexto Social

Comunidades, grupos ou indivíduos:

Existem vários grupos do ramo da construção civil que realizam a construção de muros de pedra seca na ilha de São Miguel, designados também de cabouqueiros. O caso registado refere-se a um grupo de homens e rapazes de Rabo de Peixe, município de Ribeira Grande, o empreiteiro responsável chama-se Marco Flor, cujo pai também foi construtor de muros de pedra seca.


Contexto Territorial

Ilha(s): Ilha de São Miguel
Município(s): Ponta Delgada
Freguesia(s): Arrifes
Espaço: Registamos a construção de muros de pedra vulcânica no concelho de Ponta Delgada e no concelho de Lagoa, entre 2016 e 2017.

Contexto Temporal

Periodicidade:

A construção dos muros de pedra ocorre ao longo do ano, não tendo uma época específica para a sua realização.


Caracterização da Manifestação

Caracterização e Historial:

Caraterização:



Atualmente, na ilha de S. Miguel há vários grupos de homens e rapazes ligados a pequenas e médias empresas de construção civil, que dominam este saber e realizam este tipo de construção. Os grupos mais afamados são os cabouqueiros da freguesia de Rabo de Peixe, provavelmente porque aí nunca se deixou a prática e o saber construir muros de pedra. Esta freguesia fica situada na Zona Geológica dos Picos, que é o sistema vulcânico mais recente da ilha de São Miguel (última erupção em 1652) e onde a pedra solta ainda é muito abundante.



Existem vários tipos de muros conforme o tipo de construção e acabamentos:



Os muros de pedra seca, ou seja, com a pedra à vista e não argamassada;



Os muros pregados, com argamassa de cal chapeada com brita miúda;



Os muros de pedra e cal, com a alvenaria argamassada;



Os muros guarnecidos, rebocados e caiados.



Quanto ao acabamento superior há os muros com espigão, em que as pedras superiores terminam em cunha e o muro com mainel de pedra lavrada, onde o mainel corresponde a um remate em pedra aparelhada.



Na ilha de São Miguel, desde o primeiro período do povoamento que se construíram muros de pedra. O período áureo situou-se na “época da Laranja” que fez erguer muros muito altos, ao longo do século XVIII e XIX, alguns ainda de pé, nos arredores de Ponta Delgada como no Livramento, nas Fajãs, no Cabouco, em Rabo de Peixe, nas Calhetas, no Pico da Pedra, nas Capelas, entre outros lugares.



Também, junto ao mar, subsistem os muros da paisagem da vinha, formando os quartéis, currais ou curraletas, pequenos e contíguos lotes retangulares feitos em pedra seca para abrigar as vinhas do vento e do ar do mar e dentro destes construíam-se ainda, quando era necessário, covas da vinha.



Atualmente e depois um período durante a segunda metade do século XX em que a grande vaga foi construir muros/vedações em alvenaria de blocos de cimento, passou-se, a partir dos anos 90, a uma revitalização do erguer de muros em pedra basáltica. Contudo, passou a utilizar-se argamassa de cimento no interior do muro e no topo. A introdução deste material, dá outra estabilidade ao muro, mantendo a mesma expressão estética dos muros de pedra seca, com a alvenaria de pedra vulcânica à vista.



Para a edificação de um muro em alvenaria de pedra existem quatro regras básicas:



1.       Colocam-se as pedras maiores na base, exceto as pedras de travão e as pedras de capeamento (pedras de topo);



2.       Desencontram-se (quebrar) as juntas;



3.       Manter o interior preenchido com a argamassa;



4.       Compactar o muro, calçar ou fazer o rachamento (simplificação local de racheamento), preencher com pedras mais pequenas os espaços à mão e à bojarda com a ajuda dum martelo de pedreiro;



5.       Terminar o muro com o capeamento, ou seja, o remate superior.



Para construir um muro de pedra realiza-se, em primeiro lugar, a sua fundação cavando um cabouco de leito pouco profundo. Depois dispõe-se o aprovisionamento de pedras ao longo da fundação, deixando espaço necessário às manobras seguintes. Em seguida preparam-se as pedras dando-lhes formas e medidas: cunhais, vergas, ombreiras, semalhas, cabeças, etc.



Depois de assentes as pedras de base (pedras de fundação), coloca-se a argamassa (atualmente cimento) entre elas, prossegue-se marcando com barrotes e cordéis o nível do primeiro volume de muro a construir, vão-se assentando fiadas de pedra até ao primeiro nível da travação (aprox. 30 cm), alinhando as pedras escolhidas como se tratassem de dois muros paralelos, sobre o cabouco, com as faces mais regulares das pedras viradas para fora, preenchendo-se as fendas com pedra mais miúda e aperfeiçoando, se for necessário, à bojarda.



Conforme o feitio e a altura de muro que se pretende construir, sobem-se os cordéis e colocam-se pedras em fiadas até estes, até receberem as fiadas de travação, e assim sucessivamente até concluir o muro. A secção transversal do muro é inclinada, com a base mais larga do que o topo, sendo a alvenaria travada, como já se referiu, de tempo a tempo com uma pedra da largura total do muro.



Os capeamentos ou remates superiores dos muros variavam, sendo hoje muitas vezes utilizado um remate que consiste numa guarnição de cimento forrada com pedra miúda.



Historial:



Nos Açores, a construção dos muros de pedra vulcânica constitui uma das primeiras ações do Homem sobre a natureza desta região, ou seja, foi o primeiro ato construtivo em alvenaria e tomada de posse da terra realizado nestas ilhas.



No século XV, os primeiros povoadores do arquipélago encontraram um território coberto de pedra solta, com uma densa camada vegetal. Assim, tiveram de limpar os terrenos da Laurissilva e arrumar a pedra solta, o biscoito, que os cobria.



“Os terrenos a cultivar, e já depois de eliminada a vegetação espontânea, eram naturalmente irregulares e com pedra dispersa, que tanto podia ser de cascalho ou pedra pomes solta, como de afloramentos rochosos. A pedra graúda era extraída e arrumada em muros, maroiços ou moais, mirantes e calçadas, ou mesmo enterrada. Para a pedra mais miúda, virava-se o terreno.” (BORGES, Pedro Maurício, 2007, p. 112)



 “Nos terrenos pedregosos de biscoito, os muros que, arrumando a pedra, serviriam para limpar o solo, tinham ainda a importante tarefa de impedir a intrusão dos animais. E assinalavam a divisão, espacial e social do território. Os muros são signos inequívocos da propriedade: murar é tomar posse da terra.” (BORGES, Pedro Maurício, 2007, p. 90)



Mais tarde em São Miguel e devido à economia da Laranja a construção dos muros de pedra teve um importante desenvolvimento e aperfeiçoamento de técnicas.



Segundo O Agricultor Michaelense (1849, p. 241), os muros altos, nos arredores de Ponta Delgada, pertencem à paisagem construída pela economia da Laranja. O aumento da altura dos muros destinou-se a abrigar os laranjais, proteger dos ladrões, proteger dos ventos fortes e proteger da intrusão do gado caprino.



Os muros altos da época da Laranja, muitos mantendo-se impressionantes e imponentes nos nossos dias, apresentam vãos de modo a que não ofereçam grande resistência aos ventos fortes que por vezes assolam estas ilhas, assim o vento passa sem os derrubar.



Os dois irmãos ingleses Bullar referem os altos muros das quintas da Laranja no livro sobre a viagem que efetuaram a São Miguel,  em 1838/1839. “As estradas dos arredores de Ponta Delgada são de tal modo escondidas por altos muros de pedra, que não é paradoxo dizer que mais se vê da paisagem ficando em casa, do que saindo à rua” (BULLAR, Joseph and Henry, 1986, p.27).



Para além disso, os muros de pedra também disciplinaram o desenho e o uso do solo ao delimitar arrendamentos e servidões, estas eram abertas à medida que se subdividiam os terrenos em cerrados para arrendamento, ou então eram canadas mais longas que cruzavam as terras, o que distribuía o acesso aos cerrados ou pastos fronteiros. “As frentes dos terrenos que davam para a servidão ou caminho eram denominadas por testadas ou cabeças. Estas seriam as fronteiras a murar primeiro, ou no caso de matos de pouco valor, seriam mesmo as únicas a ser tapadas. Os terrenos lavradios eram murados em toda a sua extensão.” (BORGES, Pedro Maurício, 2007, p. 99)



As divisões para arrendamento tinham um muro mais baixo, com cerca de 1,30 m de altura, enquanto nos terrenos de terra lavradia variava entre 1,50 e 2,20 m. Os muros das quintas de laranja ultrapassavam os 3 m, chegando a ter 3,70 m de altura.



Os paredeiros, trabalhadores possuidores de competências específicas na construção dos muros de pedra, encarregavam-se do feitio do muro enquanto os serventes tinham a tarefa de acartar pedra até eles. A pedra utilizada nos muros mais altos era quase sempre o basalto, matéria que apesar de ser difícil de trabalhar possui grande resistência mecânica.



Antes de levantar o muro, traçavam-se as linhas de limite sobre as quais se iriam erguer os tapumes, usava-se cal importada, pois não há cal na ilha de São Miguel, ou então uma linha esticada entre estacas.



Transmissão da Manifestação

Estado: Ativo
Modos: Oral
Com recurso a objetos

Identificação da Documentação de Suporte

Bibliografia:

ARAÚJO, António de Borja, 2008, Muros de Pedra Seca, British Trust for Conservation Volunteers, disponível em https://pt.slideshare.net/guest2c633b/muros-depedraseca

BORGES, Pedro Maurício de Loureiro Costa, 2007, O Desenho do Território e a Construção da Paisagem na Ilha de S. Miguel, Açores, na segunda metade do século XIX, através de um dos seus protagonistas, Coimbra: Dissertação de Doutoramento, na área de Arquitectura, especialidade de Teoria e História da Arquitectura, no Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra

BULLAR, Joseph and Henry, 1986, Um Inverno nos Açores e um Verão no Vale das Furnas, 2ª edição, Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada

COSTA, Francisco Carreiro da, 1989, Etnologia dos Açores, vol. 1, Lagoa: Câmara Municipal da Lagoa

SILVA, Manuel Ribeiro da, 1951, “A ilha do Pico sob o ponto de vista vitivinícola”, in Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, Ponta Delgada: Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, (2º sem.), nº 14

O Agricultor Micaelense, Ponta Delgada: Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense, 1.ª série, red. André do Canto, 1843-1845; 2.ª série, red. António Feliciano de Castilho, 1848-1853

Registos fotográficos:

21 fotografias registadas em 2017 pela equipa PCI/MCM ilustram, abaixo, esta manifestação.

Registos fílmicos:

Documentário “ Muros de Pedra”, de André Laranjinha (Património Associado).

Anexos:
  • © Fundação do muro, Arrifes, 2017

  • © Cabouqueiro com maço, Arrifes, 2017

  • © Construção do muro de pedra seca, Arrifes, 2017

  • © Cabouqueiro, Arrifes, 2017

  • © Mão que constrói muros, Arrifes, 2017

  • © Muro alto da época da Laranja, Livramento, 2017

  • © Canada com muros, São Vicente Ferreira, 2017

  • © Muro atual, Cabouco, 2017

  • © Antigo portão de quinta, Livramento, 2017

  • © Maroiço, Cabouco, 2017

  • © Maroiço, Atalhada, 2017

  • © Canada de quintas, Fajã de Baixo, 2017

  • © Mirante, Livramento, 2017

  • © Muros de abrigo e limite de propriedade, Atalhada, 2017

  • © Calçada, Pópulo, 2017

  • © Calçada, Pópulo, 2017

  • © Antigos currais de vinha, Pópulo, 2017

  • © Pedra arrumada, Pópulo, 2017

  • © Muro básico, 2017

  • © Pedra com líquenes, Pópulo, 2017

  • © Antiga cova de vinha, Pópulo, 2017


Património Associado

Móvel:

“Muros de Pedra”, 2017. Documentário, 15 m, realizado por André Laranjinha para integrar o discurso museológico “Vivências Insulares”, do Núcleo de Santo André do Museu Carlos Machado.

Sinopse: Numa ilha vulcânica, a pedra de basalto é matéria-prima para grande parte das construções humanas, das quais os muros de pedra são o exemplo mais visível. Estes muros permitiram que ao longo da história do povoamento da ilha, o homem pudesse ocupar e desenhar o território, garantindo assim a sua subsistência.

Este filme é um olhar subjetivo sobre a arte de construir em pedra, tanto na sua dimensão de empreendimento e engenhos humanos, como na dimensão da essência material das pedras, que é também a essência da própria ilha: lava.

Imóvel:

Calçadas - Arruamentos elevados feitos nas quintas de cultura das laranjas para limpar os terrenos e proteger as laranjeiras, resultando em altos passadiços, na época eram designados ruas ou arruamentos. “ Algumas calçadas excecionais têm a altura de muros de abrigo e largura suficiente para passar uma carroça, assemelhando-se mais a espessas muralhas com a largura e piso de um carreiro” (BORGES, Pedro Maurício, 2007, p. 115).

Currais, curraletas ou quartéis - Pequenos e contíguos lotes retangulares feitos em pedra seca para abrigar as vinhas do vento e do rossio do mar.

Maroiços - Nome dado no Pico e outras ilhas à pedra arrumada em forma aproximada de pirâmide, mas sem qualquer intencionalidade formal ou construtiva (SILVA, Manuel Ribeiro da, 1951, p. 51).

Mirantes - Construções que arrumam a pedra em maciços com a forma de pirâmide escalonada, ou mesmo em zigurate. Não se limitaram a amontoar a pedra, arrumando-a sob uma ideia de forma (…) arriscaria, da observação no terreno, que estes mirantes maciços seriam anteriores à Laranja, resultando da limpeza de pedra dos terrenos, acumulando, alguns, a função de atalaia, podendo a riqueza supletiva da laranja tê-los reconfigurado e adornado (BORGES, Pedro Maurício, 2007, p. 170).

Moais - Nome dado aos montes de lava formados artificialmente com as pedras retiradas na limpeza dos terrenos mais recentes destinados às culturas (COSTA, Francisco Carreiro da, 1989, p. 68).


Registo criado por: Museu Carlos Machado
Data do registo: 09-01-2018

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