Caraterização:
Atualmente, na ilha de S. Miguel há vários grupos de homens e rapazes ligados a pequenas e médias empresas de construção civil, que dominam este saber e realizam este tipo de construção. Os grupos mais afamados são os cabouqueiros da freguesia de Rabo de Peixe, provavelmente porque aí nunca se deixou a prática e o saber construir muros de pedra. Esta freguesia fica situada na Zona Geológica dos Picos, que é o sistema vulcânico mais recente da ilha de São Miguel (última erupção em 1652) e onde a pedra solta ainda é muito abundante.
Existem vários tipos de muros conforme o tipo de construção e acabamentos:
Os muros de pedra seca, ou seja, com a pedra à vista e não argamassada;
Os muros pregados, com argamassa de cal chapeada com brita miúda;
Os muros de pedra e cal, com a alvenaria argamassada;
Os muros guarnecidos, rebocados e caiados.
Quanto ao acabamento superior há os muros com espigão, em que as pedras superiores terminam em cunha e o muro com mainel de pedra lavrada, onde o mainel corresponde a um remate em pedra aparelhada.
Na ilha de São Miguel, desde o primeiro período do povoamento que se construíram muros de pedra. O período áureo situou-se na “época da Laranja” que fez erguer muros muito altos, ao longo do século XVIII e XIX, alguns ainda de pé, nos arredores de Ponta Delgada como no Livramento, nas Fajãs, no Cabouco, em Rabo de Peixe, nas Calhetas, no Pico da Pedra, nas Capelas, entre outros lugares.
Também, junto ao mar, subsistem os muros da paisagem da vinha, formando os quartéis, currais ou curraletas, pequenos e contíguos lotes retangulares feitos em pedra seca para abrigar as vinhas do vento e do ar do mar e dentro destes construíam-se ainda, quando era necessário, covas da vinha.
Atualmente e depois um período durante a segunda metade do século XX em que a grande vaga foi construir muros/vedações em alvenaria de blocos de cimento, passou-se, a partir dos anos 90, a uma revitalização do erguer de muros em pedra basáltica. Contudo, passou a utilizar-se argamassa de cimento no interior do muro e no topo. A introdução deste material, dá outra estabilidade ao muro, mantendo a mesma expressão estética dos muros de pedra seca, com a alvenaria de pedra vulcânica à vista.
Para a edificação de um muro em alvenaria de pedra existem quatro regras básicas:
1. Colocam-se as pedras maiores na base, exceto as pedras de travão e as pedras de capeamento (pedras de topo);
2. Desencontram-se (quebrar) as juntas;
3. Manter o interior preenchido com a argamassa;
4. Compactar o muro, calçar ou fazer o rachamento (simplificação local de racheamento), preencher com pedras mais pequenas os espaços à mão e à bojarda com a ajuda dum martelo de pedreiro;
5. Terminar o muro com o capeamento, ou seja, o remate superior.
Para construir um muro de pedra realiza-se, em primeiro lugar, a sua fundação cavando um cabouco de leito pouco profundo. Depois dispõe-se o aprovisionamento de pedras ao longo da fundação, deixando espaço necessário às manobras seguintes. Em seguida preparam-se as pedras dando-lhes formas e medidas: cunhais, vergas, ombreiras, semalhas, cabeças, etc.
Depois de assentes as pedras de base (pedras de fundação), coloca-se a argamassa (atualmente cimento) entre elas, prossegue-se marcando com barrotes e cordéis o nível do primeiro volume de muro a construir, vão-se assentando fiadas de pedra até ao primeiro nível da travação (aprox. 30 cm), alinhando as pedras escolhidas como se tratassem de dois muros paralelos, sobre o cabouco, com as faces mais regulares das pedras viradas para fora, preenchendo-se as fendas com pedra mais miúda e aperfeiçoando, se for necessário, à bojarda.
Conforme o feitio e a altura de muro que se pretende construir, sobem-se os cordéis e colocam-se pedras em fiadas até estes, até receberem as fiadas de travação, e assim sucessivamente até concluir o muro. A secção transversal do muro é inclinada, com a base mais larga do que o topo, sendo a alvenaria travada, como já se referiu, de tempo a tempo com uma pedra da largura total do muro.
Os capeamentos ou remates superiores dos muros variavam, sendo hoje muitas vezes utilizado um remate que consiste numa guarnição de cimento forrada com pedra miúda.
Historial:
Nos Açores, a construção dos muros de pedra vulcânica constitui uma das primeiras ações do Homem sobre a natureza desta região, ou seja, foi o primeiro ato construtivo em alvenaria e tomada de posse da terra realizado nestas ilhas.
No século XV, os primeiros povoadores do arquipélago encontraram um território coberto de pedra solta, com uma densa camada vegetal. Assim, tiveram de limpar os terrenos da Laurissilva e arrumar a pedra solta, o biscoito, que os cobria.
“Os terrenos a cultivar, e já depois de eliminada a vegetação espontânea, eram naturalmente irregulares e com pedra dispersa, que tanto podia ser de cascalho ou pedra pomes solta, como de afloramentos rochosos. A pedra graúda era extraída e arrumada em muros, maroiços ou moais, mirantes e calçadas, ou mesmo enterrada. Para a pedra mais miúda, virava-se o terreno.” (BORGES, Pedro Maurício, 2007, p. 112)
“Nos terrenos pedregosos de biscoito, os muros que, arrumando a pedra, serviriam para limpar o solo, tinham ainda a importante tarefa de impedir a intrusão dos animais. E assinalavam a divisão, espacial e social do território. Os muros são signos inequívocos da propriedade: murar é tomar posse da terra.” (BORGES, Pedro Maurício, 2007, p. 90)
Mais tarde em São Miguel e devido à economia da Laranja a construção dos muros de pedra teve um importante desenvolvimento e aperfeiçoamento de técnicas.
Segundo O Agricultor Michaelense (1849, p. 241), os muros altos, nos arredores de Ponta Delgada, pertencem à paisagem construída pela economia da Laranja. O aumento da altura dos muros destinou-se a abrigar os laranjais, proteger dos ladrões, proteger dos ventos fortes e proteger da intrusão do gado caprino.
Os muros altos da época da Laranja, muitos mantendo-se impressionantes e imponentes nos nossos dias, apresentam vãos de modo a que não ofereçam grande resistência aos ventos fortes que por vezes assolam estas ilhas, assim o vento passa sem os derrubar.
Os dois irmãos ingleses Bullar referem os altos muros das quintas da Laranja no livro sobre a viagem que efetuaram a São Miguel, em 1838/1839. “As estradas dos arredores de Ponta Delgada são de tal modo escondidas por altos muros de pedra, que não é paradoxo dizer que mais se vê da paisagem ficando em casa, do que saindo à rua” (BULLAR, Joseph and Henry, 1986, p.27).
Para além disso, os muros de pedra também disciplinaram o desenho e o uso do solo ao delimitar arrendamentos e servidões, estas eram abertas à medida que se subdividiam os terrenos em cerrados para arrendamento, ou então eram canadas mais longas que cruzavam as terras, o que distribuía o acesso aos cerrados ou pastos fronteiros. “As frentes dos terrenos que davam para a servidão ou caminho eram denominadas por testadas ou cabeças. Estas seriam as fronteiras a murar primeiro, ou no caso de matos de pouco valor, seriam mesmo as únicas a ser tapadas. Os terrenos lavradios eram murados em toda a sua extensão.” (BORGES, Pedro Maurício, 2007, p. 99)
As divisões para arrendamento tinham um muro mais baixo, com cerca de 1,30 m de altura, enquanto nos terrenos de terra lavradia variava entre 1,50 e 2,20 m. Os muros das quintas de laranja ultrapassavam os 3 m, chegando a ter 3,70 m de altura.
Os paredeiros, trabalhadores possuidores de competências específicas na construção dos muros de pedra, encarregavam-se do feitio do muro enquanto os serventes tinham a tarefa de acartar pedra até eles. A pedra utilizada nos muros mais altos era quase sempre o basalto, matéria que apesar de ser difícil de trabalhar possui grande resistência mecânica.
Antes de levantar o muro, traçavam-se as linhas de limite sobre as quais se iriam erguer os tapumes, usava-se cal importada, pois não há cal na ilha de São Miguel, ou então uma linha esticada entre estacas.