Caracterização:
Utilizando uma variedade de temperos, com destaque para as especiarias e para o vinho, é uma das mais caraterísticas formas de aproveitamento de carnes e, crescentemente, de outros ingredientes. Para além disso, deu origem ao tradicional alguidar de barro cozido, recipiente também específico da ilha e bom exemplo das antigas técnicas de olaria que em tempos existiram na Terceira.
A receita passou de geração em geração, tornando-se um dos pratos mais apreciados e divulgados da gastronomia terceirense. Mesmo havendo variações entre as receitas em toda a ilha, estas não apresentam diferenças substanciais entre si. As ligeiras alterações no paladar residem principalmente na mão da(o) cozinheira(o) para os temperos. Os ingredientes do prato são: carne com osso (chambão, cachaço, rabadilha), toucinho fumado, banha, cebola, alho, louro, sal, especiarias (pimenta da Jamaica em grão, pimenta preta em grão, pau de cravo em grão) e vinho.
Corta-se a carne em pedaços de tamanho médio e a cebola em meias-luas, o alho e o toucinho em fatias finas. O alguidar, de barro próprio para alcatra, unta-se com banha e cobre-se o fundo com cebola e alho. A carne, que já foi esfregada em sal e colocada no vinho um pouco antes, vai ser colocada no alguidar alternando com a cebola, o alho, o louro e o toucinho. Por fim, o vinho até cobrir a carne. Vai ao forno (de preferência de lenha) e cobre-se com folha de inhame ou de couve (se não for possível usar papel de alumínio). Coze lentamente todos os ingredientes. Ferve durante as horas suficientes para cozer bem e apurar o molho, de seguida destapa-se para rosar e volta-se a carne.
No dia seguinte, se necessário, retifica-se o molho de sal e vinho, voltando ao forno. Serve-se acompanhada de massa sovada ou pão de leite. O alguidar deve chegar à mesa com a alcatra a ferver. Este assado, tradicionalmente de carne, que hoje se faz também com outros produtos, distingue-se precisamente pela combinação dos ingredientes de base e de tempero com o processo de cozedura proporcionado pelo barro e pelo fogo de lenha. "Alcatra" tornou-se aliás a designação genérica para este cozinhado.
A confeção da alcatra alargou-se a outros produtos alimentares. Atualmente, as alcatras de peixe, de feijão, de coelho, de cabrito, entre outras, são uma realidade.
Historial:
A alcatra terá chegado à Terceira com os povoadores no final do século XV ou durante o século XVI, embora as referências mais consistentes sobre a sua confeção nas casas dos terceirenses remontam ao século XVII. A circunstância da ilha Terceira ter sido povoada também por gente que veio das regiões da Beira do continente, onde ainda hoje também se confeciona a chanfana, um prato muito semelhante no seu processo de confeção embora tendo por base a carne de cabra velha, poderá também ser a causa do surgimento da alcatra. Uma vez que o povo raramente incluía nessa altura carne de bovino na sua dieta alimentar, será legítimo concluir que a alcatra terá sido, nos seus primórdios, um prato servido apenas nas mesas das casas senhoriais, integrando aquilo que se pode considerar como sendo a "cozinha rica" desse tempo. Mas o povo sempre soube aproveitar bem o pouco que foi conseguindo ter. Aproveitando as partes menos nobres da carne de bovino (mais rija e com osso), aqueles que faziam a "cozinha do povo" apropriaram-se da receita dos seus senhores e com o recurso às especiarias que chegavam nas naus da Índia aprimoraram a alcatra de modo a que fosse muito semelhante à que hoje constitui um dos principais elementos do património gastronómico tradicional da ilha Terceira.