Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Património Cultural Imaterial dos Açores Sinalização



Identificação da Manifestação

Designação: Alcatra - Ilha Terceira
Outras Designações:

Alcatra Regional

Domínio: Competências no âmbito de processos e técnicas tradicionais
Categoria: Cozinha e alimentação

Contexto Social

Comunidades, grupos ou indivíduos:

A alcatra é um prato tradicional da Ilha Terceira, constituindo-se como um dos traços identitários da cultura terceirense.

A alcatra é confecionada em vários contextos em todas as freguesias da ilha por inúmeros homens e mulheres detentores deste saber fazer: em contexto doméstico; em contexto festivo, nomeadamente no âmbito das festas do Espírito Santo e das festividades das freguesias da ilha; e em contexto comercial, sendo confecionada pelos cozinheiros de alguns dos restaurantes locais que oferecem gastronomia tradicional.


Contexto Territorial

Ilha(s): Terceira
Município(s): Angra do Heroísmo e Praia da Vitória
Freguesia(s): Todas as freguesias da Ilha Terceira
Espaço: Todas as freguesias da Ilha Terceira

Contexto Temporal

Periodicidade:

A alcatra é preparada e servida ao longo do ano nas casas particulares, em alguns restaurantes que oferecem a gastronomia regional terceirense e nas datas das festividades de cada freguesia da ilha.

Mas a alcatra assume especial importância nos Bodos ou "Funções" das Festas do Espírito Santo da Ilha Terceira, que se realizam com uma periodicidade anual, correspondendo o principal período festivo às oito semanas que medeiam entre o Domingo de Páscoa e o Domingo da Trindade que, por vezes, é mencionado como o tempo do Espírito Santo.


Caracterização da Manifestação

Caracterização e Historial:

Caracterização:



Utilizando uma variedade de temperos, com destaque para as especiarias e para o vinho, é uma das mais caraterísticas formas de aproveitamento de carnes e, crescentemente, de outros ingredientes. Para além disso, deu origem ao tradicional alguidar de barro cozido, recipiente também específico da ilha e bom exemplo das antigas técnicas de olaria que em tempos existiram na Terceira.



A receita passou de geração em geração, tornando-se um dos pratos mais apreciados e divulgados da gastronomia terceirense. Mesmo havendo variações entre as receitas em toda a ilha, estas não apresentam diferenças substanciais entre si. As ligeiras alterações no paladar residem principalmente na mão da(o) cozinheira(o) para os temperos. Os ingredientes do prato são: carne com osso (chambão, cachaço, rabadilha), toucinho fumado, banha, cebola, alho, louro, sal, especiarias (pimenta da Jamaica em grão, pimenta preta em grão, pau de cravo em grão) e vinho.



Corta-se a carne em pedaços de tamanho médio e a cebola em meias-luas, o alho e o toucinho em fatias finas. O alguidar, de barro próprio para alcatra, unta-se com banha e cobre-se o fundo com cebola e alho. A carne, que já foi esfregada em sal e colocada no vinho um pouco antes, vai ser colocada no alguidar alternando com a cebola, o alho, o louro e o toucinho. Por fim, o vinho até cobrir a carne. Vai ao forno (de preferência de lenha) e cobre-se com folha de inhame ou de couve (se não for possível usar papel de alumínio). Coze lentamente todos os ingredientes. Ferve durante as horas suficientes para cozer bem e apurar o molho, de seguida destapa-se para rosar e volta-se a carne.



No dia seguinte, se necessário, retifica-se o molho de sal e vinho, voltando ao forno. Serve-se acompanhada de massa sovada ou pão de leite. O alguidar deve chegar à mesa com a alcatra a ferver. Este assado, tradicionalmente de carne, que hoje se faz também com outros produtos, distingue-se precisamente pela combinação dos ingredientes de base e de tempero com o processo de cozedura proporcionado pelo barro e pelo fogo de lenha. "Alcatra" tornou-se aliás a designação genérica para este cozinhado.



A confeção da alcatra alargou-se a outros produtos alimentares. Atualmente, as alcatras de peixe, de feijão, de coelho, de cabrito, entre outras, são uma realidade.



Historial:



A alcatra terá chegado à Terceira com os povoadores no final do século XV ou durante o século XVI, embora as referências mais consistentes sobre a sua confeção nas casas dos terceirenses remontam ao século XVII. A circunstância da ilha Terceira ter sido povoada também por gente que veio das regiões da Beira do continente, onde ainda hoje também se confeciona a chanfana, um prato muito semelhante no seu processo de confeção embora tendo por base a carne de cabra velha, poderá também ser a causa do surgimento da alcatra. Uma vez que o povo raramente incluía nessa altura carne de bovino na sua dieta alimentar, será legítimo concluir que a alcatra terá sido, nos seus primórdios, um prato servido apenas nas mesas das casas senhoriais, integrando aquilo que se pode considerar como sendo a "cozinha rica" desse tempo. Mas o povo sempre soube aproveitar bem o pouco que foi conseguindo ter. Aproveitando as partes menos nobres da carne de bovino (mais rija e com osso), aqueles que faziam a "cozinha do povo" apropriaram-se da receita dos seus senhores e com o recurso às especiarias que chegavam nas naus da Índia aprimoraram a alcatra de modo a que fosse muito semelhante à que hoje constitui um dos principais elementos do património gastronómico tradicional da ilha Terceira.


Manifestações associadas: A alcatra está associada ao culto do Divino Espírito Santo. As festas do Espírito Santo começam no domingo imediatamente a seguir à Páscoa tendo como ponto alto o domingo de Pentecostes e o da Trindade. É também nesta época que se realizam os bodos ou as “funções” para o qual todos são convidados: ricos e pobres, habitantes ou forasteiros. A ementa da “função” é composta pela sopa do Espírito Santo, alcatra, pão (armazenado nos Impérios ou nas despensas), massa sovada e vinho.

Transmissão da Manifestação

Estado: Ativo
Modos: Informal
Oral
Escrito

Identificação da Documentação de Suporte

Bibliografia:

Afonso, João, 1973, Alcatra Especialidade da Ilha Terceira, Banquete, Lisboa.

Gomes, Augusto, 1982, Cozinha Tradicional da Ilha Terceira, Direção Regional dos Assuntos Culturais, Angra do Heroísmo.

Gomes, Augusto, 2018, Geminação das Câmaras de Angra do Heroísmo e Évora? 30 Anos, Turiscon, Angra do Heroísmo.

Vieira, Hélio, «O Truque da Alcatra está no Tempero e na Confeção», Diário Insular, n.º 22707, Angra do Heroísmo, (7.6.2019).

Anexos:
  • © Aquecimento do forno. Ano 2013.

  • © Picar o toucinho de fumo para a alcatra. Ano 2014.

  • © Colocação da carne no alguidar.

  • © Colocação do vinho na alcatra. Ano 2014.

  • © Alguidar da alcatra na mesa com diversos ingredientes. Ano 2014.

  • © Colocação da folha de inhame sobre o alguidar da alcatra. Ano 2014.

  • © Mulher a colocar a alcatra no forno. Ano 2014.

  • © Colocação da alcatra no forno. Ano 2014.

  • © Alcatras no forno. Coroação do Raminho. Ano 2014.

  • © Mulher a apresentar a alcatra pronta. Ano 2014.

  • © Mesa posta. Ano 2014.

  • © Alcatra em ambiente de restaurante. Ano 2019.


Património Associado

Móvel:

Indissociavelmente ligada produção olaria – fabrico de alguidares de barro.
O alguidar de barro é um dos objetos mais característicos da cozinha tradicional da ilha Terceira, existindo em diferentes tamanhos e para diferentes funções. O alguidar de alcatra é um equipamento indispensável em muitas cozinhas terceirenses. Esta necessidade está claramente ligada à natureza do prato que é a “alcatra” e o seu papel na refeição cerimonial que é uma “função de Espírito Santo”. A importância do barro para o seu sucesso exige mesmo uma preparação específica do alguidar e que este seja usado no serviço à mesa.
O alguidar usado é de fabrico local, em barro não vidrado, alto e ligeiramente afunilado. Atualmente podem ser encontrados em diversos tamanhos. Antes do alguidar ser usado tem que ficar de molho, submerso em água durante uma semana, caso contrário, ao receber temperatura o alguidar quebrar-se-a. Passado este tempo escalda-se com água a ferver e está ponto a usar. Com o uso, vai escurecendo, chegando mesmo a ficar negro.
 


Registo criado por: Município de Angra do Heroísmo
Data do registo: 01-02-2021

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