Concebido e criado a partir do modelo norte-americano, o bote baleeiro açoriano é hoje considerada uma das embarcações mais emblemáticas do mundo.
O bote baleeiro americano, adaptado à baleação itinerante e de longo curso, praticada pelas grandes baleeiras - navios-fábrica - , ao longo dos sécs. XVIII e XIX, era mais pequeno, bojudo, pesado e de difícil manobra. Foi esta a embarcação utilizada pelos primeiros baleeiros açorianos durante quase toda a 2ª metade do séc. XIX. As dificuldades na sua importação estimularam a criação local de uma nova embarcação, mais comprida (aproximadamente 11,5 m de comprimento, 2 m de largura e 80 cm de pontal, a meia-nau) e melhor adaptada às condições de navegabilidade dos nossos mares e ao modelo de baleação costeira que se praticou nas ilhas dos Açores.
Resultado da capacidade inventiva dos primeiros grandes construtores navais da ilha do Pico, o bote baleeiro açoriano, no entender de muitos especialistas, “a mais perfeita embarcação que alguma vez sulcou os mares”, é um misto de elegância, robustez, eficácia e singularidade.
O primeiro bote baleeiro açoriano foi construído, nas Lajes do Pico, pelo Mestre Francisco José Machado, o Experiente, nos finais do séc. XIX. Gerações de outros grandes carpinteiros navais se notabilizaram, na ilha do Pico, o grande centro da carpintaria naval do arquipélago, na construção de botes baleeiros: os Mestres da Aguada, os Mestres Experientes, o Mestre António dos Santos Fonseca, o Mestre António Racha, o Mestre António Gregório, o Mestre José Brum, o Mestre João Silveira Tavares, o Mestre Manuel Hermínio, o Mestre Manuel Ramos, o Mestre Manuel Monteiro e outros mais…
Com o fim da caça à baleia, no início dos anos 80 do séc. XX, ficou um valioso património baleeiro constituído, entre muitos outros vestígios materiais e imateriais, pelas embarcações baleeiras – botes e lanchas de reboque – e sua palamenta. Tendo em conta que este património baleeiro corria o risco de se perder, foram, a partir de 1998, tomadas medidas políticas visando a sua recuperação e reutilização. Estas medidas, em conjugação com o esforço crescente das populações, organizadas à volta de clubes navais/náuticos, autarquias, colectividades e associações culturais, tornaram possível a implementação de um programa de reabilitação patrimonial (40 botes e 11 lanchas de reboque), verdadeiramente exemplar e de reconhecido mérito cultural.
Reanimou-se a construção naval, recuperaram-se e consolidaram-se os saberes tradicionais, estimulou-se o gosto pelas actividades ligadas ao mar e aprofundou-se a relação das comunidades com a cultura da baleação.
A recuperação de uma parte significativa do património baleeiro dos Açores – botes e lanchas de reboque – deve ser considerada, muito provavelmente, como um dos mais emblemáticos projetos de reabilitação patrimonial, verdadeiramente ao serviço das comunidades, realizado nos últimos anos em Portugal.
De facto, esta iniciativa, de referência no plano nacional e internacional, levada a cabo nos Açores de forma sistemática, na última década, revelou-se uma estratégia de grande lucidez política, de consumação da nossa dimensão marítima e de reconhecimento da importância dos barcos na nossa vivência insular.