Conhecer Francisco de Lacerda
Francisco Inácio da Silveira de Sousa Pereira Forjaz de Lacerda nasce a 11 de Maio de 1869, na freguesia da Ribeira Seca, ilha de S. Jorge, nos Açores.
Descendente de uma família fidalga em que se contam várias gerações de músicos amadores, desde muito cedo revela admirável tendência para esta arte, tendo recebido de seu pai, João Caetano Pereira de Sousa e Lacerda, as suas primeiras lições de música e piano com apenas 4 anos.
Em 1886, parte para a ilha Terceira onde frequenta o curso geral do Liceu de Angra do Heroísmo e, também nesta altura, compõe uma das suas primeiras obras, a mazurka Uma Garrafa de Cerveja dedicada “ao seu amigo Luiz da Costa”.
Uma vez terminado o liceu, parte para o Porto, preparando-se para ingressar na Escola Médica e continuando, ao mesmo tempo, a estudar piano com António Maria Soller e a frequentar Belas Artes.
Contudo, a paixão pela música é mais forte e faz com que abandone o estudo da medicina, estabelecendo-se em Lisboa, onde se inscreve no Conservatório Real e recebe os ensinamentos de José António Vieira, Freitas Gazul, Frederico Guimarães, entre outros. Termina o curso geral de piano, em 1891, com distinção tornando-se, nesse mesmo ano, professor provisório do Conservatório e, no ano seguinte, professor efetivo do mesmo, após prestar provas e tendo como concorrentes Francisco Bahia e Eugénio Cândido da Costa.
O ano de 1895 marca o início da internacionalização de Francisco de Lacerda. É neste ano que parte para Paris como bolseiro da Coroa, tendo sido candidato único naquela que foi a primeira bolsa oficial de música em Portugal. Já na capital francesa, frequenta primeiramente o Conservatório (onde estuda Harmonia com Émile Pessard, História da Música com Bourgault-Ducoudray, Contraponto com Libert, Composição e Órgão com Widor, etc.) e depois a recém-formada Schola Cantorum. Na mesma, continua os seus estudos de Órgão com Guilmant, Composição e Direção de Orquestra com Vincent d’Indy e Música Antiga com Charles Bordes). De referir que, já nesta altura, Vincent d’Indy o escolhe para seu substituto na classe de orquestra, ao descobrir no discípulo excepcionais qualidades de maestro. Neste período, é influenciado pela escola francesa de César Franck, Vincent d’Indy, Gabriel Fauré, Maurice Ravel, Francis Poulenc e Paul Dukas, o que se viria a refletir notoriamente nas suas composições, bem como no seu estilo de direção musical.
Em 1899, participa nas comemorações do Centenário do Nascimento de Almeida Garret com a Canção do Berço, composta num ritmo popular dos Açores.
Depois de uma estada nos Açores (nos primeiros meses do ano), em que realiza algumas recolhas de folclore, regressa a França em 1900. Sendo nomeado membro do júri da Exposição Universal de Paris, integra a Comissão Portuguesa da mesma, cooperando com Ressano Garcia e António Arroio. É também nesta altura que, influenciado por Vincent d’Indy, faz a sua primeira aparição pública como chefe de orquestra, tendo granjeado grande sucesso e passando a prestar valiosas colaborações na série de concertos históricos promovida pela Schola Cantorum, nos quais se ouviam obras como o Ballet Comique de la Royne e O Orfeo de Monteverdi. Empreende entretanto uma viagem que inclui a Alemanha, assistindo aos festivais de Bayreuth e recebendo lições de Arthur Nikisch e Hans Richter.
Em 1904, o júri de um concurso instituído pela Revue Musical atribui-lhe o primeiro prémio pela sua obra Danse du Voile e, ainda neste mesmo ano, assume a direção dos Concertos do Casino de La Baule (França). No ano seguinte, é agraciado com a Ordre National de la Légion d' Honneur (Ordem Nacional da Legião de Honra) e funda a Association des Concerts Historiques de Nantes, que dirige até 1908, altura em que passa a dirigir os concertos do Kursaal de Montreux. Devem-se a ele, neste período, muitas apresentações de obras de autores até então pouco conhecidos, tais como Alexandre Borodine, Petrovich Mussorgsky, Gabriel Fauré, Ernest Chausson e Claude Debussy.
Entretanto, em 1910, é nomeado, por D. Manuel II, Oficial da Ordem de Santiago. Na temporada de 1912-1913, vai reger os Grands Concerts Classiques de la Association Artistique de Marseille.
Razões de saúde e a morte de seu pai, em 1913, fazem-no regressar aos Açores, onde permanece durante oito anos (também devido ao deflagrar da guerra), dedicando-se ao estudo do folclore, à composição e à participação musical na liturgia local. Ainda em 1913, de novo por motivos de saúde, terá recusado um convite para dirigir a orquestra dos Ballets Russes de Diaghilev numa digressão aos Estados Unidos da América. Na ilha de S. Jorge, é, em 1920, condecorado com a Medalha de Serviços Distintos da Cruz Vermelha pelos serviços “prestados aos epidemiados (...) na grippe pneumonica de 1918”.
De regresso a Lisboa funda, em 1922, Uma Hora de Arte dedicada aos operários. No ano seguinte, em colaboração com Afonso Lopes Vieira, Malheiro Dias, Raul Lino, entre outros, cria a associação Pró-Arte. Ainda neste ano, funda a Filarmonia de Lisboa que se apresenta em concertos, tanto em Lisboa como no Porto. Porém, a Filarmonia teria uma existência passageira, que nem o apoio dos grandes vultos da época conseguiu salvar.
Não satisfeito com o sucedido em Portugal, regressa a França, empreendendo uma carreira de chefe de orquestra que o leva a Paris, Marselha, Nantes, Toulouse e Angers.
Entre 1925 e 1928, volta a dirigir, com enorme sucesso, os Grands Concerts Classiques de Marseille, dirigindo então obras como a Paixão Segundo São João e a Paixão Segundo São Mateus de Bach, Missa Solene de Beethoven, Um Requiem Alemão de Brahms, Parsifal de Richard Wagner, La Vida Breve de Manuel de Falla y Matheu, La Demoiselle Élue de Debussy, entre muitas outras.
Devido a motivos de saúde, vê-se impedido de reger, regressando a Portugal em 1928, abandonando assim a sua carreira internacional. Nesta altura, estabelece-se em Lisboa, organiza as iniciativas musicais integradas na representação portuguesa na Exposição Ibero-Americana de Sevilha (1929) e dedica-se à composição, ao estudo do folclore e da música antiga portuguesa, realizando diversas conferências.
Em busca de uma cura para a sua doença (tuberculose pulmonar), passa uma temporada na Madeira, onde preside à Comissão das Festas da Cidade do Funchal, em 1932, e realiza recolhas abundantes de música tradicional. Atividade essa que mantém até falecer, em Lisboa, vítima de doença prolongada, em 1934.
Francisco de Lacerda deixa um legado muito variado, em que se incluem os quadros sinfónicos Almourol e Alcácer, música de cena para A Intrusa de Maeterlinck, música de bailado, peças para órgão, piano, guitarra, trios e quartetos de cordas. Sem esquecer as Trint-six Histoires pour amuser les Enfants d’ un Artiste e as admiráveis Trovas para canto e piano, uma criação de 36 pequenas peças originais que buscam refletir a linguagem popular portuguesa e açoriana. De mencionar, ainda, a publicação póstuma do Cancioneiro Musical Português,resultado das suas recolhas pelo país.
Fruto da sua sólida formação académica e do meio cultural em que prosperou profissionalmente, a obra de Lacerda é marcada por um cunho pessoal e original que o torna num precursor da introdução do impressionismo em Portugal e num símbolo do nacionalismo musical europeu dos finais do século XIX e princípios do século XX.