Governo dos Açores - Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura - Direção Regional da Cultura

Joanne Purcell:

coligindo os excertos da memória

Joanne Burlingame Purcell (1938-1984), foi uma proeminente  investigadora e professora norte-americana, que, por influência do conceituado hispanista, Samuel Armistead(1), estudou e divulgou a tradição oral portuguesa, nomeadamente  a tradição oral açoriana e madeirense. Vítima de uma terrível enfermidade, despediu-se precocemente da vida - tinha apenas 46 anos de idade -, o que justifica, em parte, a inexistência de uma informação biográfica completa. Na década de sessenta, Purcell iniciou os seus estudos em Filologia Românica e Ibérica, em Los Angeles, na Universidade da Califórnia, onde viria a concluir uma tese de licenciatura, intitulada Traditional Ballads from California.

Com uma bolsa de estudo da Comissão Fullbright luso-americana, aquela investigadora passou onze meses nos Açores(2), de maio de 1969 a abril de 1970, desenvolvendo um trabalho de campo como talvez nunca tivesse sido anteriormente realizado. Nesses meses,  a investigadora percorreu cada uma das freguesias das nove ilhas do nosso arquipélago e recolheu, graças ao contributo inestimável de mulheres e de homens desses lugares, variantes riquíssimas do Romanceiro  tradicional açoriano, além de variantes do Cancioneiro e ainda contos, orações, provérbios,  rituais e  cantigas das festividades em louvor do Divino Espírito Santo, "chamarritas", assim como a gíria e o ritual que era usado, quando  os homens caçavam baleias, atividade hoje proibida. Conforme escreveu.

Chegava a cada freguesia, em geral, com aviso prévio de apenas um ou dois dias ao pároco ou professora que me ajudavam a arranjar alguém para me acompanhar e procurar as pessoas mais idosas e as mais indicadas de menos idade. Em alguns casos o próprio padre ou a professora me acompanharam. Em geral, levava as máquinas comigo à entrada na freguesia. (...). Em muitos casos, o povo, ao saber que me interessava por histórias, me dirigiu às pessoas educadas na freguesia, de três e quatro anos de escola, para contar-me a história de Portugal que se lê nos livros. Ficavam confundidos quando eu explicava que quanto mais analfabeto, tanto mais me interessava. (...) São os analfabetos que têm  desenvolvido este tipo de memória decorando pelo ouvido e não pela escrita(3).

Já em 1970, logo após o seu trabalho de campo nos Açores, a revista Atlântida   publicaria o ensaio da investigadora, "A Riqueza do Romanceiro e Outras Tradições Orais nas Ilhas dos Açores"(4), um documento notável e fundamental para o entendimento do valioso contributo de Purcell para a recuperação do  património oral açoriano, e, seis anos mais tarde, na Universidade da Califórnia, Joanne defenderia a tese de doutoramento, The Cantar de la muerte del rey don Fernando in Modern Oral Tradition: Its Relationship to Sixteenth-century Romances and Medieval Chronicles,  publicando, ainda nesse ano e em co-autoria, uma antologia com as formas em verso das  tradições orais portuguesas e brasileiras(5).

Em 1987, três anos após o seu trágico desaparecimento,  seria publicado, em Madrid, o primeiro volume do Novo Romanceiro Português das Ilhas Atlânticas(6), que daria a conhecer o trabalho de campo realizado por Joanne Purcell no arquipélago da Madeira, e 15 anos mais tarde, em 2002, seria dado à estampa, numa edição da Direção Regional da Cultura, do Governo Regional dos Açores, o primeiro volume da coleção referente aos 11 meses de estadia nos Açores. Nesse primeiro volume, onde constam as transcrições das variantes do Romanceiro, registadas nas ilhas das Flores e do Corvo, os investigadores, que então transcreveram e organizaram o referido volume - Manuel da Costa Fontes, Samuel Armistead, Cristina Carinhas, Pere Ferré, Israel J. Katz e Karen l. Olson - escreveram no prefácio à referida edição.

As 145 bobines relativas ao arquipélago estão, presentemente, a ser copiadas nos laboratórios da universidade da Califórnia, Davis. De mais de metade já existem cinco cópias para serem distribuídas pelos colaboradores deste projecto, já que a transcrição e organização dos romances da colecção Purcell tem de ser uma empresa colectiva. Agora que começamos a alcançar a nossa meta, esperamos poder oferecer ao povo dos Açores um tesouro de poesia tradicional digno da sua nobre história e da sua rica cultura(7).

Ângela de Almeida (Ph.D)

REFERÊNCIAS

(1) - (1927-2013).

(2) - Embora com estadias mais curtas, Joanne Purcell também viajou até ao arquipélago da Madeira e algumas regiões do continente português, onde registou variantes do Romanceiro.

(3) - PURCELL (1970), "A Riqueza do Romanceiro e Outras Tradições Orais nas Ilhas dos Açores". Revista Atlântida. Angra do Heroísmo: pp. 223-252, pp. 245-246.

(4) - Id. Ibid.

(5) - PURCELL, Joanne B., ARMISTEAD, Samuel G., DIAS, Eduardo M., MARCH, Joanne E., orgs. (1976). Portuguese and Brasilian Oral Traditions in Verse Form /As Tradições Orais Portuguesas e Brasileiras em Verso. Los Angeles: University of South California.

(6) - PURCELL (1987). Novo Romanceiro Português das Ilhas Atlânticas I. Isabel Rodriguez-Garcia e João Saramago,org.. Madrid: Seminário Menéndez Pidal, Universidade Complutense, 338 pp.

(7) - FONTES, Manuel da Costa, ARMISTEAD, Samuel G., CARINHAS, Cristina, FERRÉ, Pere, org. (2002). Romanceiro Tradicional das ilhas dos Açores, Corvo e Flores, vol. 1 (Recolha de Joanne Purcell). Israel Katz, transcrições musicais, Karen Olson, colb. Angra do Heroísmo e Lisboa: Governo Regional dos Açores, Direcção Regional da Cultura e Universidade Nova de Lisboa, Instituto de Estudos do Romanceiro Velho e Tradicional, 247 pp, p. 12.